segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Diálogos de bar

Episódio de hoje: Com açucar, com afeto

(2 mulheres e 1 cara, Por do Sol)

__Vamos mudar de assunto, gente, olha a cara do menino.
__O que foi?
__Você tá olhando pro nada, com cara de puto, resmungou três vezes e quase morreu engasgado com o amendoim.
__Obrigado por prestar tanta atenção em mim.
__Homem é foda. Vocês só conseguem ouvir a gente falando sobre sexo quando participam da história.
__Isso se a participação for boa, se não...
__Vocês iam gostar que eu ficasse falando de boneca inflável aqui.
__Problema nenhum. Você tem uma?
__Nunca precisei. Vocês também não. Porra, Maria, se é pra passar sábado a noite brincando com um negócio de 3 cabeças, que brilha no escuro por que você me largou?

(Segue alguns momentos de uma discussão de ex-casal. Nada muito sério, mas de qualquer jeito redundante)

__É triste pensar isso. Como é que eu vou competir com uma parada com aquecedor interno, motorzinho giratório, opção de velocidade.
__Segundo a Maria, você era bom de papo.
__E fazia um café decente.
__Mas te cuida, viu rapaz, que logo lançam um modelo que faz expresso e capuccino.
__E com umas frases decoradas.
__Podia ser com tudo o que a gente queria ouvir.
__Ia ser programado com o ciclo menstrual?
__Piadinha machista típica.
__Eu to aqui reduzido a um caralho giratório falante e vocês ainda vem reclamar da minha piada.
__Para de drama. E pega outra cerveja, que o Robinho tá dormindo hoje.
__Quem podia ser a voz do orgasmo?
__Tem dúvida?
__O Chico, né?
__Imagina, precisava nem ser frase decorada, era só combinar o vibrador com MP3 e botar as músicas.
__Menina, a gente pode ficar rica com esse negócio.
__Imagina só, você no ponto de gozar e começa. “Se nós nas travessuras das noites eternas, já confundimos tanto as nossas pernas, diz com que pernas eu devo seguir.”
__É múltiplo na certa. Ainda dava pra ter uma versão especial lésbica com “Bárbara”. “Vamos ceder a tentação das nossas bocas cruas e mergulhar no poço escuro de nós duas.”
__E pros dias de fossa, podia rolar um “Olhos, nos olhos quero ver o que você faz, ao sentir que sem você eu passo bem demais.”
__A Antártica e a Skol acabaram. Só tem Brahma, e tá meio quente. Tem cerveja lá em casa. Vocês estão a fim?
__Eu tenho aula amanhã as oito.
__Maria?
__Ah não sei. Estava querendo ir pra casa.
__Tem musse de limão na geladeira.

domingo, 28 de novembro de 2010

Vem aí...

O Projeto de Conclusão de Curso mais picareta da década que se inicia...

"Parei no botequim de trás da redação e pedi meu Undenberg no copo plástico. Não podia perder meu tempo ali onde não acontecia nada demais. A não ser talvez o crack, o videopôquer e o jogo do bicho. Mas isso era tão manjado que até o juiz da comarca vizinha era cliente fiel. Fiz minha fezinha no avestruz e fui pra barraca das frutas comprar um abacaxi gelado pra rebater o velho Under."

"A nuvem de poeira que saía do asfalto selvagem de Ceilândia precisava se esforçar um pouco mais se quisesse sujar meu chapéu. Desci da estação do metrô e fixei meus olhos nas ruas que se ofereciam feito putas com plano de assistência odontológica vencido. Algo na terceira me lembrou os molares de Norma Sueli. Escolhi a segunda. A mesma arcada não me engana duas vezes."

"Evidente que aquele não era um mero pedaço vagabundo de plástico compactado. Não havia outras cópias. Ao meter a mão no paletó marrom de Geraldo Basílio, o meliante levava o registro de toda a sua carreira. Canções e poemas como “Longe do Meu Bem”, “Homenagem a Senna”, “Menino Desprezado” e “Saudade não mata gente, mas maltrata o coração” ficariam restritas aos bares, churrascarias e rodoviárias de Brasília e região."

trechos de Roberval, a viola e o repente


Revista Cagüeta


Breve numa banca de graduação perto de você,

PS: Precisam-se de diagramadores, ilustradores que aceitem trabalhar de graça e com prazo curto

ATUALIZAÇÃO (UPDATE é o cacete): E não é que eles apareceram mesmo. Valeu Juninho, Ludinha, Maurício, Miguel (o melhor diagramador do mundo) meninas modelos e João quem diria que a gente ia se formar com isso?

PS da atualização: Agora precisa-se de distribuidores, diretores comerciais e principalmente patrocinadores

sábado, 13 de novembro de 2010

Folga do Ócio

matéria minha que saiu no Jornal de Teatro, em fevereiro

Improviso, poeira e arte

O teatro na pré-história de Brasília

por Igor Miguel Pereira


O teatro em Brasília começou na hora do almoço. Como eram raras as folgas entre os trabalhadores da construção da cidade, a arte tinha de vir acompanhando a digestão. A lona preta e empoeirada da carroceria dos caminhões servia como palco. Pro elenco, bonecos, trazidos na viagem ou feitos no acampamento.

Os pioneiros que emprestavam aos fantoches a voz e os movimentos vinham, em sua maioria, do Nordeste. De lá trouxeram a mistura de circo, feira e cordel que fazia dos autores os mais interessantes personagens do espetáculo. O texto, feito na hora ou aprendido na infância, muitas vezes era em verso. Os enredos variavam entre temas do cotidiano, religiosos ou histórias populares. O humor e a moral no final apareciam com freqüência.

O mamulengo era a mais cândida distração daqueles tempos. Para desafogar da rotina das obras, os candangos iam até as farras e zonas de meretrício nos arredores da capital em formação. Entre a cachaça e as moças esqueciam da saudade da terra natal, dos turnos massacrantes e da violência dos capatazes.

Para a elite do futuro Distrito Federal havia outras opções. Os salões do Clube Paranoá e do Brasília Palace Hotel recebiam concertos de câmara, requintados bailes de carnaval, sessões de cinema e até mesmo um show das rainhas do rádio Emilinha Borba e Marlene, com a apresentação de Grande Otelo.

Em 31 de maio de 1958 inaugurou-se a Rádio Nacional, para, nas palavras do presidente Juscelino, Brasília fazer ouvir sua voz ““das vertentes amazônicas às coxilhas gaúchas, e dos contrafortes andinos ao litoral atlântico.” A rádio foi o primeiro denominador comum da cultura da cidade. Sua programação abrangia tanto os sucessos tocados no Rio de Janeiro quanto músicas tradicionais das várias regiões do país.

O auditório da rádio se tornou o palco dos principais eventos da nova capital, sendo usado para fins diversos: discursos, cerimônias, seminários, festas. Não demorou para que o teatro entrasse na programação. Ali, foi encenada a primeira peça registrada na história de Brasília, “O Mal Entendido”, de Albert Camus, apresentação dos alunos da EAD (Escola de Arte Dramática) da USP, dirigidos por seu fundador, Alfredo Mesquita, durante o primeiro Festival de Arte de Brasília.

“__ Eu queria uma terra em que o sol matasse todas as perguntas.”

A fala da personagem Marta, a amargurada irmã do protagonista da peça, certamente não passou despercebida pela plateia. No texto de Camus a frase é uma alusão à Argélia, mas a identificação dos presentes era inevitável. Naquele setembro de 59, viviam o auge do período da seca, quando Brasília mostra aos visitantes a faceta mais cruel e desértica do seu clima.

A solidão, o tédio, a impessoalidade e a volta para um lar que não existe mais eram outros dos temas de “O Mal Entendido” que podiam ser associados aos ambíguos sentimentos dos que participaram da mudança da capital. Mas a crítica não estava entre as intenções de Alfredo Mesquita, e sim, a praticidade. “Escolhi a peça porque não havia cenário, era tudo muito simples, apenas uma cortina e os atores.” Declara ele no livro “A Educação pela Arte, o caso Brasília” de Maria de Souza Duarte.

O enredo não era mesmo dos mais palatáveis. Com referência nas grandes tragédias gregas a peça conta a história de um homem que após muitos anos retorna a cidade natal para reencontrar a mãe e a irmã. As duas mulheres administram uma sinistra pensão, tirando parte de seu sustento do roubo e assassinato dos hóspedes. O homem fica na antiga casa, mas não consegue que sua identidade seja reconhecida.

A peça teve uma acolhida boa, de uma plateia ainda segmentada. “Houve bastante aceitação do público, mais engenheiros e funcionários, candangos não assistiram”, afirma Alfredo Mesquita em “A Educação pela Arte, o caso Brasília”. O diretor ainda retornaria para a cidade para participar de diversos outros eventos culturais.

O auditório da Rádio Nacional continuou com um papel de destaque no teatro local. O radialista e dramaturgo Alfredo Ribeiro apresentou lá mais quatro peças: “Os Pioneiros”, “A Bonequinha”, “A província de Aratangos” e “Avenida W 33”. Alfredo foi o primeiro autor a residir em Brasília. Sua produção foi uma crônica dos costumes e do cotidiano da nova capital. Posteriormente foi esquecido, havendo poucos registros de seus textos.

Mas a apresentação que provocaria o maior impacto da época estava reservada para outro palco, esse utilizado apenas uma vez: a superfície do Congresso Nacional. Ali se realizou a “Alegoria das Três Capitais”, texto de Josué Montello com direção de Chianca de Garcia e música de Heitor Villa Lobos e Heckel Tavares.

O espetáculo ocorreu em 23 de abril de 1960 e encerrou os três dias de festividades pela inauguração da cidade. Quem permaneceu na Esplanada dos Ministérios presenciou uma epopeia, com produção sofisticada e corpo de baile, contando a trajetória do povo brasileiro através das três capitais de sua história.

Os anos seguintes marcariam a aparição de inúmeros grupos de teatro amador, em Brasília. Eram formados principalmente por jovens que se apresentavam nas ruas ou em palcos improvisados. Uma geração que começava a explorar as possibilidades daquela terra de poeira vermelha e avenidas largas e vazias. Suas identidades e caminhos seriam como a cidade em que viviam: difusos, incertos, mais uma invenção do que uma descoberta.

sábado, 23 de outubro de 2010

Diálogos de bar

Episódio de hoje: Totem

(4 participantes: 3 caras e uma mulher, Cenário)

__ Eu não vou contar o filme inteiro pra não perder a graça. Mas é mais ou menos assim. Tem um grupo de caras que invade o sonho dos outros.
__Tipo o Freddie Kruger.
__Por aí. Só que é uma parada organizada, tem o especialista em invadir, outro em construir o cenário, o que planeja.
__Foi o que eu disse, é um filme de roubo de banco.
__Nao é porra nenhuma. Deixa eu terminar aqui. A tática pro negócio dar certo é montar um sonho que pareça real. As vezes rola umas complicações, como a pessoa acordar em outro sonho. Então pros caras não se confundirem, cada um tem um totem.
__Um o que?
__Totem, um objeto que só você sabe que é real, que não pode ser imaginado por mais ninguém. Assim você sabe quando está no sonho ou não. É o que eu estou tentando descobrir nela.
__Como é que é isso, doido?
__Sabe quando você percebe que está gostando mesmo da menina. Que é um negócio meio sem volta e que uma hora você vai acabar se fodendo. Eu tenho que descobrir algum defeito nela pra ser o meu totem. Quando der merda, é o que eu vou usar pra manter a cabeça no lugar.
__Mas quem te garante que vai dar merda?
__A prática. Sei lá, é o tipo de coisa que comigo dá errado sempre. O amor não funciona pra todo mundo. É bom ter uma redução de danos de garantia.
__Você está testando essas frases com a gente?
__Mais ou menos.
__Sabia. Filho da puta. Igual a parada do Pingüim.
__Conta essa porra não.
__Encontro esse maluco bêbado e triste por causa de uma menina. Ele vira e fala. “Cara, sabe o filme que o Pingüim é candidato a prefeito e fica mó contente por ser aceito pelos cidadãos de Gothan City. Depois ele se decepciona descobre que só é feliz no esgoto. Ó como é que são meus relacionamentos.” Fiquei preocupado, o cara devia estar mal pra caralho pra falar um negócio desse. Daqui a pouco, ele vira. “Funcionou não, né? A comparação?”
__Mas era sério. Eu me sentia assim, de verdade. Só que eu queria usar isso depois.
__Ô, mas aquele final do Pingüim é muito triste, com o funeral dos pinguinzinhos.
__Pingüim já é um bicho meio triste por natureza.
__Eu roubei um pingüim uma vez.
???
__Numas férias aí um tempo atrás. A gente foi beber de madrugada no aquário da cidade. Aí uma coisa foi levando a outra...

domingo, 3 de outubro de 2010

No altar de Onã (Especial de Verão)

Pobres daqueles que saúdam a chegada do verão ligando o ar-condicionado. Não percebem o crime que cometem apagando os efeitos mais sublimes da estação símbolo dos trópicos. Como perder o espetáculo do rosear das bochechinhas e do cintilar das morenices mais faceiras? Aguardar a brisa da tarde penetrando nos vestidinhos das moças que passam. Vê-las sorrindo, agradecidas com a natureza.

O verão transforma aquele cumprimento casual nas pequenas, um beijinho pra lá, dois beijinhos pra cá, no ápice do dia de um homem. O suor de uma mulher é um bálsamo sagrado, perfume de alquimia delicada. Se apropria das mais variadas essências: óleos de sândalo, exóticas loções, protetor solar, para produzir a sua própria e inconfundível. Cada pele possui um almíscar pra chamar de seu. Mesmo sendo grande admirador da comparação pelo formato, a metáfora com as frutas eu faço pelo olfato.

Que espetáculo é a peleja da moça contra o calor infindo. Na fila do banco, na praia, no supermercado, trocando de lugar no ônibus pra fugir dos raios de sol. O puxa-puxa na laicra, saudável agonia com os panos que teimam em cobrir o corpo que padece. As coxas inquietas roçando-se, querendo escapar do vestido. E aquele sopro que ela dá no decote, mordendo o canto da boca e olhando pra baixo, toda esperançosa com a ventilação improvisada.

Quisera eu ser uma pedrinha de gelo, mulher. Derreter-te inteiro em ti, pra te salvar da inevitável insolação. Um Copertone em ebulição eterna pelo teu corpo, feito a manteiguinha do Marlon Brando. Se possível fosse transmutar-me-ia em um sacolé de coco pra servir de consolo pros seus lábios que mais sofrem.


Onã é personagem bíblico renegado e sabe o que é atravessar a seco o deserto do Saara

domingo, 19 de setembro de 2010

Seu Valdir no Rio

O Cagüeta e o espírito público

Desminto logo o que dizem por aí. Sim, larguei minha aposentadoria para virar dono de revista, mas muito se engana quem maldiz que virei um Adolfo Bloch, um Assis Chateubriand, um Roberto Marinho. Gordo, bebendo uísque 18 anos e apagando charutos no copidesque. Muito longe de ser um Cidadão Kane mantenho vários dos meus hábitos de velho proletário das letras. A ausência de férias, por exemplo. Essa semana mesmo, tive que interromper meu retorno a sagrada rodinha de peteca do Posto 9 pra continuar minha incansável luta pela revista Cagüeta.

Mas vocês sabem como é. Sonho que se sonha só é só um sonho, mas sonho que se sonha junto se torna realidade. (Aliás, eu lembro quando essa frase ganhou o prêmio Trotsky de trava-línguas revolucionários, como a gente se divertia naquele tempo, o chato era a agulha debaixo da unha.) Foi com grande alegria que descobri que a minha patota está bem representada nos dois principais candidatos ao governo fluminense.

Decidi que ia fazer uma visitinha aos dois, para relembrar os velhos tempos. Afinal, eu sei que a Copa, as Olimpíadas estão aí, mas sempre sobra um lugarzinho para os amigos no lado esquerdo do peito e num editalzinho oculto no orçamento da secretaria de Cultura.

Confesso que algo esquisito me ocorreu enquanto estava na sala de espera do comitê do Fernandinho Gabeira. Ao invés de agradáveis pensamentos sobre os nossos tempos de exílio na Suécia ou de quando eu, ele, Ledinha Nagle e Lucélia Santos fomos inspirar uma manifestação ecológica numa comunidade em Saquarema, sinistras preocupações ocuparam minha mente. Será que o pessoal da ARENA resolveu por em prática a operação Paul Mc Cartney em que eles iriam matar o rapaz e substituí-lo por um sósia que se aliaria a direita carioca, confundindo todo mundo no Jobi? Será que meu amigo estaria tão morto quanto nosso querido Jornal do Brasil? (Querido, porra nenhuma, desde que me mandaram embora de lá em 72, eu sabia que ia dar merda).

Esperava me livrar dessas torturantes dúvidas quando o Gagá me chamou em sua sala e ligou o defumador de ar. Infelizmente a explicação coincidiu com o horário do meu surto de narcolepsia. E aquela poltrona acolchoada com massageador térmico estava tão convidativa... Acordei quando ele falava da única utopia que lhe sobrou: comprovar a eficácia das canções de Caetano como jingles eleitorais. Empolgado, mostrava seu último vídeo de campanha, saindo do mar tendo ao fundo “Menino do Rio”. Tentava convencer seus novos aliados a adotar a ideia, “afinal qualquer maneira de amor vale a pena.” “Você não acha, Valdir, que há um quê de “Tigresa” na Solange Amaral?” Ele foi simpático ao projeto do Cagüeta, mas disse primeiro ia precisar consultar o Rodrigo Maia.

Tinha certeza que o Serginho não faria esse tipo de desfeita comigo. O menino é praticamente meu afilhado, deve guardar lembranças dos momentos em que ele ia comigo buscar seu pai na casa do tio Jaguar e só voltava dois dias depois, pra desespero de sua mãezinha querida. Inevitável certa estranheza quando cheguei ao seu comitê esperando que ele honrasse a família com um bom sambinha e ouvi tocar na velocidade 5 um “Vai Serginho, Vai Serginho.” Mas tudo bem, são os novos ritmos que embalam essa rapaziada, coisas da juventude. Já para o Piccianni esperando na porta, é preciso uma desculpa melhor.

Assim que me viu Serginho veio com seu sorriso bolachudo relembrando os velhos tempos e fazendo manha. “Pô, tio Valdir, baita injustiça a imprensa encher meu saco por chamar aquele menino de otário. Nos churrascos do tio Aldir, lá na Tijuca isso era termo carinhoso.” Tentei ir direto ao assunto, mas foi impossível interromper o Serginho quando ele começou a falar do seu governo. Era UPP pra cá, UPA pra lá, PAC acolá e como eu já não consigo mais acompanhar qualquer conversa com mais de 3 siglas acabei me atrapalhando todo e esquecendo o que eu fui fazer ali.

Será que o Ziraldo me empresta uma grana?

Valdir possui 50 anos de serviços prestados ao jornalismo etílico mundial

Abraço pro outro Valdir, também ex-trotskista, que atualmente vive em exílio voluntário na Barata Ribeiro

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Crítica de cinema do Galvão

Bem amigos do cinema brasileiro, o lançamento do vinho em homenagem a mim mesmo, na semana passada, resultou em uma ressaca terrível na tarde seguinte. Sabe como é, tive que provar Galvão Cabernet, Galvão Merlot, Galvão Uvas Verdes. Ossos do ofício. Nada melhor para curar uma indisposition vespertine do que um bom omelete de esturjão com molho de cramberry. Como isso eu só encontro no aconchego da minha morada em Mônaco, tive que me contentar com um cineminha mesmo. Meu erro foi ter ido na onda daquele estagiário que foi efetivado dia desses lá na Globo.

O baixinho, loirinho, com cara de bobo, acho que chama Diogo ou Diego Lift é até bom rapaz, mas como todo neófito, fã cego daquele diretor americano do queixo grande. Confiando na sua insistente indicação fui assistir ao tal “Prova de Morte”, em que o Kurt Russel é um psicopata que anda por aí com um carro especial para dublês, perseguindo umas gostosas. Ora, mas gravar pigue-pega de carro naquelas rodovias climatizadas e cheias de frescuras de Los Angeles é fácil. Queria ver era o senhor Tarantino vir cantar de galo por aqui. Agüentar uma Via Dutra, uma BR 40, uma Rio-Santos em dia de chuva.

Outra coisa que deslumbrou esse povo foi o lado feminista do filme. As moças decidiam resolver na base da porrada o problema da violência contra a mulher. Muito bonito, muito cativante, mas fico imensamente triste com a cegueira dessa gente, incapaz de reconhecer que já fizemos coisa muito melhor por aqui. Veja por exemplo a cangaceira e capoeirista Maria, protagonista do magistral “Kung Fu Contra as Bonecas”, do grande Adriano Stuart. Ou a fenomenal trama de vingança das órfãs em “As Cangaceiras Eróticas”, de Roberto Mauro. Filmes esquecidos em cópias esverdeadas, perdidos nas madrugadas do Canal Brasil.

Ah, por fim, gostaria de deixar bem claro, que aquela zona na estrada nunca aconteceria se os gringos tivessem disponível um Vigilante Rodoviário. Ele e seu cachorro Lobo acabariam com a folia num instante. Ia todo mundo em cana, Kurt Russel, gostosa 1, gostosa 2, gostosa 3, figurante do bar. E quem acha muito cool o Tarantino botar umas dublês fazendo papel de dublês é porque não conhece o Vigilante. Depois que o seriado foi cancelado, nosso herói não perdeu tempo. Fez prova pra polícia rodoviária e continuou exercendo sua vocação fora das telas, com toda estabilidade oferecida pelo funcionalismo público.

domingo, 15 de agosto de 2010

Bombril na Antena

Há mais mistérios entre o receptor e a antena do que supõe nossa vã filosofia. Sabe-se lá porque na antena coletiva do meu prédio aqui em Brasília, pega um canal de Campinas, a Rede Família. Além de uma mesa redonda dedicada inteiramente ao Guarani e a Ponte Preta, por lá passa a melhor ideia de programa do mundo. Pelo menos pra quem apresenta.

Em Caçadores de Bares, dois tiozões percorrem o interior de São Paulo e mostram os bares de cada cidadezinha. Cada um com seu apelido e figurino especiais. Caçador, que vai vestido de Indiana Jones, faz o gênero mais sério. Comediante de escada, a la Carlos Alberto de Nóbrega da Praça é Nossa. Palito vai camuflado, com um colete salva-vidas e um bonezinho. É o escrachado da dupla, personificação do Louro José.

Na edição que eu assisti a cidade escolhida foi Espírito Santo do Pinhal, que abrigava o instigante bar do Tonheca. Para encontrar o recinto, os dois foram até a pracinha da Igreja, entrevistaram uns bêbados e uns velhinhos que jogavam dominó. Tomaram um chopinho no bar Paulicéia, conversaram com o dono e quando bateu as seis horas rumaram até seu destino principal. E aí começou o show.

Enquanto o Caçador descobria os segredos do lombinho do Tonheca, Palito resolveu homenagear a cidade se vestindo de Espírito Santo. Percorria as mesas e exibia sua versatilidade como comediante, contando apenas piadas de anjo. Qualquer coisa como “fulano vira pro outro e diz? Puxa minha sogra é um anjo, o outro responde: sorte sua, a minha ainda está viva”.

O clímax do programa vem quando os dois provam a maior quantidade de petiscos que o dono do bar estiver disposto a oferecer. Tome provoleta, filé com fritas e o carro chefe da casa, o sanduíche de lombinho do Tonheca. Pouco depois, em genial golpe publicitário os dois fazem o merchandising do programa. E o patrocinador da patota é... um shake dietético. Se alguém quiser mandar uma sugestão de bar, o site deles é www.cacadordebares.com.br.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Folga do ócio

Matéria minha na oficina do Perdiz, que saiu na edição de junho do Jornal de Teatro



Perdiz e o voo interrompido

por Igor Miguel Pereira

Didi e Gogo aguardam Godot numa estrada vazia. Não sabem a razão, o horário ou quem marcou o encontro. Conversas longas sobre nabos, ingleses em bordéis ou a melhor forma de cometer suicídio pendurado numa árvore ajudam o tempo a passar. José Perdiz não pode fazer o mesmo. Vinte anos depois que “Esperando Godot” inaugurou o Teatro Oficina Perdiz, ele enfrenta a incerteza de uma espera igualmente absurda sem o ócio ou os diálogos vadios dos personagens de Beckett. Seu único auxiliar na oficina é mudo e mesmo seu cão Banzé, quase não late.

Se ele aguarda sem tédio que se cumpra a promessa de uma sede nova é porque aos 78 anos ainda não abandonou o hábito de trabalhar. O ferro que retorce todos os dias parece mais maleável do que a combinação que ajudou a enterrar as atividades teatrais por ali: burocracia, legislação confusa e o poder econômico das construtoras interessadas na área. O golpe final teve medidas exatas: 1, 40m. Foi o quanto a parede da oficina teve que recuar para dar lugar ao prédio vizinho. A redução do espaço impossibilitou a encenação das peças. Restaram sobras de cenários passados, recortes de jornal e a velha arquibancada, compondo o mosaico de um tempo em que o brilho dali não era restrito às faíscas laranjas que se soltam da solda de Perdiz.

A graxa do palco

Quando Ivan Marques foi morar com seu tio tentou aprender o ofício de mecânico. Não funcionou muito bem. Tímido e um pouco desengonçado, o rapaz encontrou uma vocação mais adequada nas aulas de teatro da Faculdade Dulcina de Morais. A oficina do tio virou a sede dos ensaios com os amigos da faculdade. Nascia o primeiro palco.

Perdiz gostava da companhia daquele pessoal. Além da admiração que sentia pelo ofício de atuar tinha uma forte identificação com os arroubos da juventude. Natural para um sujeito que havia sido expulso do Partido Comunista por “criar muito caso”. Com a benção do dono, festinhas e outras reuniões começaram a acontecer ali. Numa delas, surgiu a ideia: “por que a gente não faz uma peça aqui?” Da teoria à prática passaram-se alguns anos, recusas e desistências, até que Mangueira Diniz montou “Esperando Godot”, em 1989. Perdiz construía sua arquibancada.

Logo nas primeiras apresentações, um fato raro no teatro de Brasília: casa cheia. E o público ainda aumentaria na peça seguinte. Bella Ciao, que contava a saga de imigrantes italianos, ficou dois anos em cartaz. “Uma das coisas mais belas que eu vi em teatro, foi aqui na oficina do Perdiz, por várias noites, uma placa lá na porta dizendo: volte amanhã, lotação esgotada”, conta o ator Thomaz Coelho no curta “Oficina Perdiz”, de Marcelo Díaz .

O sucesso não garantia a regularidade da programação, o teatro podia ficar ocioso por meses ou ter três, quatro espetáculos brigando por um fim de semana. Tentando resolver a situação, o ator, produtor e dramaturgo Marcos Pacheco apareceu com uma proposta sutil: “Seu teatro é como uma puta, as pessoas vem usam e vão embora. E eu vim aqui pedir a puta em casamento”.

O contrato matrimonial não tinha lá muitas regras. Para se apresentar por lá bastava chegar e marcar. A diferença fundamental foi que o teatro passou a organizar eventos por conta própria e a fazer parcerias para preencher as noites vazias. O aluguel continuava gratuito, apenas parte da bilheteria das peças era usada pra cobrir as despesas. A casa virou a predileta dos grupos universitários e do teatro experimental.

“Peças que marcaram? Ih, foram tantas... O diário do Maldito, Pedido de Casamento em que o Mangueira Diniz inventou dos atores se apresentarem num gira-gira pendurado no teto, Cabaré Danúbio Azul, as Tertúlias de segunda...” Muitas dessas foram premiadas, inclusive as que Marcos Pacheco não conseguiu puxar da memória de imediato, bulindo nos poucos fios de cabelo que se recusaram a cair.

As lembranças de Marcos ganham em exatidão quando fala do personagem que ele levou aos palcos da oficina. Pela ideologia poderia ter sido de Brecht. Pelas histórias e pelo jeitão, de Fellini. Era dali mesmo. “José e agora? O mais sensível dos homens brutos” estreou em 2002, com direção de Mangueira Diniz e com Gê Martur no papel de José Perdiz.

O mais sensível dos homens brutos

Setenta anos antes de José Perdiz virar peça, sua mãe seguia com o nobre propósito de montar uma pequena orquestra de filhos. Infelizmente, nem ele que nascia naquele ano de 1932, nem os outros nove levariam algum jeito pra música.

Se o menino não queria nada com os concertos, bastava a troca de uma letra pra situação mudar. A vocação para as ferramentas revelava seu ofício e sua obsessão. Queria consertar de tudo, até o que não podia consertar sozinho. Aos vinte anos entrou no Partido Comunista, pra dar jeito no mundo.

Preencheu a ficha de filiação e pediu um fuzil. Não deram, e foi a primeira discussão. Vieram outras. Primeiro era o tal do determinismo histórico que era coisa muito demorada. “Vocês me convidaram pra fazer uma revolução e até hoje não começa essa merda. ” Depois foi Stalin. “Ficaram anos convencendo a gente a acreditar no cara, e da noite pro dia ele não prestava mais”. E por fim Deus. “Só porque eu sou comunista que eu vou ter que ser ateu? A religião é que o ópio do povo. Deus não tem nada com isso”. Acabou expulso, no começo dos anos 60.

Arranjou uma carona e foi para o centro-oeste, buscar um outro norte. O trabalho era farto nos primeiros anos de Brasília. Perdiz logo conseguiu um emprego numa firma de revenda de materiais de construção. Completava a renda consertando o que aparecesse. De betoneiras até as camas dos bordéis do Núcleo Bandeirante, que quebravam com grande facilidade naqueles tempos. Como não foi incomodado pela ditadura mesmo tendo uma ficha de arrepiar até a penugem dos quepes no DOPS de Belo Horizonte? “Rapaz, não sei. Deve ter sido meu anjo da guarda. Não tem outra explicação.”

Em 1969 Perdiz compra dois lotes no Plano Piloto e monta sua oficina mecânica. Caiu num golpe comum na época e sem saber adquiriu uma área pública. O erro só lhe causaria problemas após a oficina ganhar fama. Foram várias tentativas de derrubada. A mais agressiva aconteceu em 11 de setembro de 2002.

Os tratores e caminhões chegaram para cumprir o mandato de demolição expedido pelo Governo do Distrito Federal. Perdiz nada sabia, estava no hospital, prestes a sofrer uma operação de hérnia de disco. Sua mulher ligou para quem podia, seus vizinhos também. A mobilização que salvou o lugar envolveu um abraço ao prédio pelos artistas de Brasília, intensa cobertura da imprensa e inúmeras ligações para o celular do então governador Joaquim Roriz.

Seis anos depois, uma demolição muito mais discreta ocorreria. Atendendo determinação da justiça, feita a pedido da construtora que adquiriu as terras vizinhas, Perdiz teve que recuar as fronteiras da oficina, inviabilizando o teatro. A última peça apresentada foi em 2008, “O Diário do Maldito”, de Plínio Marcos.

“É como uma mulher, você pode ser o melhor dos homens, mas se ela quiser ser filha da puta com você, vai ser. Nem por isso você estava errado em ser bom pra ela”. A construtora se comprometeu judicialmente a lhe entregar um prédio novo com um teatro. Perdiz espera sem esperança. Há casos em que a semântica das palavras é irrelevante diante dos fatos.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Crítica de cinema do Galvão

Bem amigos do cinema brasileiro. Caminhava irritado pelas ruas de Joanes... ou seria Cape Town, ou Durban. Sei lá, depois de um tempo, tudo parece com Resende, a aconchegante terra natal do Arnaldo. Enfim, ia com os nervos em flor, porque a Espanha havia acabado de estragar outra das minhas teorias conspiratórias: a que a Adidas tinha manipulado a copa fazendo uma bola que só os alemães conseguiam chutar. Decidi relaxar as tensões assistindo a um bom filme de porrada. Após uma rápida consulta com os repórteres de cultura frustrados que trabalham na ESPN escolhi ver o tal do Kick Ass (Chute no Cu, em bom português).

Acabei com o coração na boca e o grito preso na garganta, como sempre fico ao ver nossa pátria amada vilipendiada de modo covarde. Os gringos estão levando o crédito por um gênero de filme que sempre foi exclusividade nacional: o das criancinhas com armas. Desde Pixote que o Brasil reina absoluto na área. (Tá, eu sei que o Babenco é Argentino, mas tem uns 30 anos que ele vive as nossas custas, é praticamente um Sorín).

A tal meninha do filme pode até ser fofinha com seus palavrões cabeludos e truques de arte marciais. Mas quero ver ela encarar um Dadinho, um pessoal da caixa baixa. Na hora da verdade, a malícia e o veneno do personagem brasileiro prevalecem. Por isso que o resto do mundo vive fuçando nossa cinematografia. Como se não bastasse aquela cópia descarada do Laranjinha com Acerola, misturada com Caminho das Índias ter levado o Oscar ano passado. E tudo por culpa dessa exportação inconseqüente, esses nossos talentos que vão muito cedo lá pra fora, antes mesmo de completar os cinqüenta anos.

Mas é isso aí, não adianta chorar a película queimada. São os novos tempos, a globalização. Temos que nos adaptar, tirar proveito de mais uma derrota pra reiventar o que sabemos fazer de melhor. Quem sabe não dá até pra encontrar uma função pro Felipe Melo nisso aí? Preparador de elenco, assistente de produção, guardião do orçamento. Qualquer coisa que não envolva corações sensíveis ou equipamentos delicados.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Onã na FLIP 2008

Da série inéditas republicadas

“Na FLIP há todas as mulheres que amamos. E elas trazem as amigas.”

por Onã

__Você é de onde?
__Não sei ainda, estou procurando desde que deixei São Paulo.
__Quanto tempo faz que você saiu de lá?
__Uma semana.

Nem filme de imitador tupiniquim do Woody Allen nem romance auto-referente desses meninos que ficam peregrinando pelos lançamentos de livros com seus sapatênis e tacinhas de vinho branco, cantando as estagiárias de jornalismo e as professorinhas de literatura. O diálogo transcrito acima com a exatidão que a poesia necessita, mas dispensa, ocorreu na última edição da FLIP entre este bardo que vos fala e Paloma, com perdão do trocadilho, uma verdadeira pombinha que voa pelo mundo a procura de um milhozinho de pipoca que mais lhe apeteça o paladar.
A linda menina de olhar arredio e voz charmosamente gutural sem perder a feminilidade andava pelas ruas de Parati com um singelo livrinho nas costas, cuja inscrição “literatura nômade” convidava os passantes a integrarem uma espécie de livro coletivo. Tenho em minha vida duas solitárias virtudes, uma na área das letras e a outra especialmente na alcova. Não me furto em unir ambas sempre que a oportunidade surge. Infelizmente, naquela situação específica minha contribuição literária não surtiu o efeito desejado na outra atividade em que fui ungido por céus e hells, num bacanal espiritual.
Acostumado que estou às repentinas mudanças de humores dos cérebros, almas e úteros femininos dei pouca importância ao ocorrido. Chegara em Parati havia poucas horas e me via imerso numa prodigiosa e variada fauna de mancebas. Na FLIP há todas as mulheres que amamos. E elas trazem as amigas. Cedendo as cruéis exigências da objetividade que paga as minhas contas aqui no Cagüeta, tentarei esboçar uma classificação básica para contentar a sanha curiosa dos leitores preguiçosos que cá não conhecem.
Há na FLIP basicamente 4 tipos de mulheres: estudantes da USP, hippies, nativas e desavisadas. Obviamente as meninas da USP podem vir de qualquer lugar, como a UFF, a UFRJ a PUC e até mesmo a Casper Líbero ou a Estácio de Sá. Freqüentam as palestras na tenda dos autores ou na tenda do telão, os botecos com banheiro limpo e tem sempre uma opinião sobre algum escritor que você só descobriu da existência ao vê-las falando dele com tamanha graça e ingenuidade. As hippies dispensam apresentação por não merecerem os clichês que as caracterizam e estão sempre te tentando vender alguma coisa. As nativas estão aqui, porque são daqui mesmo e freqüentam a praça com seus uniformes escolares. Boa opção de escolha caso o amigo não seja desses tolos que limitam sua felicidade por deliberações judiciais. As desavisadas são de modos e formatos sortidos, tendo em comum o fato de não terem a menor idéia do que estão fazendo aqui. A maioria delas tem o desaconselhável defeito de estarem acompanhadas de um tipo qualquer de namorado.
De todas as mesas de autores da FLIP, a única que eu fui convidado era precisamente aquela marcada por uma platéia feminina singularmente esplêndida. Na fileira imediatamente a minha diagonal seleciono duas delas para compartilhar com amigo leitor, mas ressaltando que por mais que me esforce, minha descrição em nada se compara a minha visão. Sentavam-se lado a lado, a primeira de óculos vermelhos combinando com o sutiã ligeiramente oculto pela blusa branca, mas visível a olhos bem treinados para detectar transparências. Fazia-lhe companhia uma outra pequena de argolinha no nariz, brinco hippie e um rosto de que nada falo, pois o maior dos elogios soaria ofensivo diante de beleza tão extremada.
Um incerto pragmatismo e o irresistível poder da proximidade me fizeram abandonar esse saudável exercício contemplativo para dar a devida atenção à bela morena de nariz suave sentada ao meu lado. Alzira, uma paulista que adotara o Rio e que indignava-se com a performance exacerbada de Xico Sá.
Xico (que era um dos palestrantes, caso eu não tenha mencionado esse detalhe) fora meu aluno na sua recorrente pré-adolescência e entenderia perfeitamente o fato de eu ter falado mal dele, divulgando um ou outro segredo malicioso, apenas para agradar a moça. Nem mesmo quando ele num rompante genial aconselhava as mulheres a não dizerem “prefiro língua ao pau, mas sim gosto de prazeres delicados” pude aplaudi-lo efusivamente ao ver que tão bem absorvera as lições do passado.
A conversa com Alzira evoluiu para outras palestras, sempre guiada por sua voz de caramelo e seu sorriso de alecrim, passando por outros assuntos como sua tese sobre quadrinhos, as peculiaridades da troca do Rio pra São Paulo, parando bruscamente contudo quando ela revelou namorar um geólogo. Como entender a paixão dessa inebriante menina por um amante das pedras. Por ele Alzira, trocara a simpatia pelo tricolor paulista de seu pai por uma avassaladora torcida pelo Botafogo carioca. Não seria eu a calar aquele amor.
A desilusão, porém, costuma deixar meus parcos encantos mais visíveis. Apenas parei num vagabundo boteco para nutrir meu corpo e absorver algumas doses de álcool, uma hippie carioca de cabelos amarelos disse me conhecer de algum lugar. Logo dividíamos uma Itaipava gelada e ela recitava os poemas que tentava vender pra pagar a hospedagem num camping próximo. Chamava-se Renata, morava na Lapa, fazia cinema no Nós do Morro, chegara a Parati com 3 reais no bolso e sozinha, mas no tempo que dividiu a comigo cerveja encontrou cerca de 11 conhecidos de FLIPs e noites passadas, entre eles um inquieto austríaco.
Fora dos estereótipos ela tinha os dentes afiadinhos e tortinhos. Benditas sejais as mulheres com tal disposição alternativa da arcada dentária e bendito seja o momento da FLIP em que pude sentir o indescritível efeito de tais adoráveis dentinhos vampirescos, inicialmente nos lábios e posteriormente não publico aqui para os invejosos não dizerem que estou a me vangloriar.
Depois daquela noite reencontrei-a 2 dias depois, com o corpo impregnado de suor nectaroso e das areias da praia de Jabaquara. Ah, a sensualidade das coceirinhas, até mesmo quando elas passam para você. Entretanto, viciado que sou, nos sabores de frutas que ainda vão nascer, preferi abdicar do acalanto certo na noite fria para tentar a sorte com as freqüentadoras do boca-livre que ocorria perto da praça da Matriz, no leilão das cadeiras do cinema de Parati, destinado a financiar sua construção.
Parecia lucro certo, enquanto derramavam uísque 12 anos aos homens para possibilitar lances mais altos, o prosseco e o vinho percorriam gargantas femininas abrindo espaço para fluidos mais viscosos. A melancolia que transparece minhas palavras torna desnecessário que eu expresse o meu arrependimento por embarcar em tal aposta infrutífera. Tenho absoluta certeza que o álcool vem tornando-se menos embriagante nas últimas décadas. Mas paro as especulações nessa frase, não quero nessa altura da minha vida, inserir meu trabalho nos meus outros vícios.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Côncavo e convexo

Não sei como consegui passar dois anos enrolando de jornalista aqui em Brasília sem precisar fazer uma visitinha ao Congresso Nacional. Quando o dia chegou, agradeci por não precisar passear de terno no deserto e fui sem reclamar. Garanto que é mais divertido do que parece.

A primeira coisa que chama atenção é o número de mulheres bonitas circulando por ali, entre jornalistas, assessoras e similares. E olha que nem era dia de Sabrina. Os decotes discretos e o contorno das bundas desenhando-se no tecido das saias proporcionam o espetáculo da sensualidade engaiolada. Pena que os 10% da umidade do ar não deixam espaço para que as gotículas de suor resplandeçam quando elas saem ao sol.

Outra coisa que impressiona são os doidos saracoteando pra lá e pra cá, muitos com acesso ao Salão Verde, onde fomos barrados. (São peixes de algum deputado, nos informou o porteiro, citando Romário). A senhora que distribui bênçãos, defensores de causas de um homem só, lobistas quixotescos com um projeto na mão e uma idéia na cabeça.

Basta uma escutada na conversa entre deputados pra identificar o principal problema da casa. Nenhuma ideologia ou convicção moral supera o velho afeto de colegas de trabalho. “Fulano defende a esterilização dos favelados.” “Ah, rapaz, mas quando ele bebe conta cada história. E a mulher dele faz uma moqueca sensacional” “Como é que você consegue cumprimentar aquele sujeito? Ele tem uma fazenda com trabalho escravo.” “Mas é tão difícil encontrar outro torcedor da Portuguesa.” Hay que deliberar, pero sin perder la ternura jamás.

domingo, 13 de junho de 2010

Consultório Sentimental do Dr. Caligari

Prezado Doutor Odvan Caligari,

Os primeiros sintomas foram difíceis de reparar. Óculos de aros grossos, jazz e neuroses pareciam coisas normais para o Afonso, meu marido, desde a época da faculdade. Todos os amigos deles tinham e homem, o doutor bem sabe, é bicho competitivo. Sei que devia ter ficado preocupada quando ele apareceu em casa dizendo que tinha virado judeu. Mas já tinha passado da hora dele resolver aquele problema de fimose, então aprovei a novidade. Logo depois tivemos a primeira discussão. Fomos jantar no restaurante natural de uma tia minha. Ele mal terminou o quindim de tofu e mandou o comentário desagradável. “A comida aqui uma metáfora da existência humana. Terrível e as porções são muito pequenas.” O senhor imagina minha situação. Passei o resto da noite escondida atrás do quiche de acelga. Depois as coisas foram piorando, ele começou com uma conversa de que o universo era uma ilusão que estava se expandindo ou uma realidade que ia se retrair a qualquer momento. Não lembro direito, sei que o safado queria usar isso como desculpa pra não pagar o aluguel. Posso com isso? Lógico que as coisas se refletiram na cama, passei a ter só orgasmos do tipo errado. Decidi partir pra greve de sexo. Ele disse que não ligava, veio com um papo de que masturbação era transar com a pessoa que ele mais amava. Lorota, o canalha anda de olho comprido na minha sobrinha caçula. O que eu faço doutor?

Mia Ferreira, Perdizes, São Paulo-SP

Prezada senhora Mia Ferreira

Devo confessar que essa sua carta, redigida com tanto esmero, provocou grande surpresa em meu coração de médico. Os sintomas que você relata com tanta graça e delicadeza são deveras semelhantes a uma síndrome que era muito comum nos meus tempos de graduação em Nova York, no final dos anos 70. Nunca imaginei que tal moléstia chegaria por aqui e cheguei a acreditar que ela estaria tão erradicada quanto a varíola. Coisas da vida, não é mesmo. Uma das vantagens dessa minha vocação é experimentar uma emoção diferente a cada dia. Hoje você me proporcionou uma, mal posso esperar para retribuir. Bem cara Mia a solução para o problema de seu cônjuge é bastante simples. Aliás que sonoridade bonita têm “cara Mia” relendo a frase sinto-me feito um Mastroianni enamorado de sua Claudia Cardinale. Poucas mulheres, cara Mia, conseguem despertar sentimentos tão nobres num homem apenas através de sua prosa enternecida e da foto 3X4 enviada em anexo. É um dom, uma dádiva que não deve ser desprezada. Mas voltemos para aquilo que te aflige. Nos meus tempos de residente numa simpática clínica em Manhattan tive oportunidade de tratar e curar diversos casos semelhantes. O problema é que eu não consigo lembrar como. Terei que voltar para a Big Apple e recobrar minha memória. Você não gostaria de me acompanhar para dar mais detalhes do caso? Desnecessário dizer que o cor... seu esposo não poderá ir, sobre risco de agravar sua enfermidade. Além disso, essa viagem pode ser uma oportunidade única para você reavaliar sua vida, suas escolhas. Pense só nós dois passeando de carruagem pelo Central Park, aproveitando a temporada de peças da Broadway, depois esticando a noite ouvindo jazz ou num bistrozinho no Village. Posso reservar nossas passagens Mimi? Terça está bom pra você?

Kissis

Big Van

terça-feira, 1 de junho de 2010

Angu do Baco

Dizem que nessa vida um homem tem que combater seus preconceitos. Há muita gente que discorda, mas quando o preço pra isso é um quilo de alimento não perecível a coisa toda parece valer a pena. Com esses nobres propósitos apanhei um ônibus e um pacote de fubá e fui até a tenda armada no meio da Esplanada, conferir as dionisíacas apresentações do grupo do Zé Celso.

Mesmo tendo chegado duas horas depois do começo da peça, as quatro horas que restavam do espetáculo pareciam quase promissoras. Era impossível tirar os olhos da menina que fazia a Cacilda, as músicas eram agradáveis, ninguém parecia inclinado a fazer algum discurso. Mas foi só. Até minha preocupação inicial de escolher um lugar na arquibancada longe do palco foi em vão. Os escolhidos da platéia para participar das danças eram integrantes do grupo a paisana. Performance assim até eu.

Cacilda__ Estrela Brazyleira a Vagar era um musical comum, com um pouco de maxixe. Contava uma história certinha, com os personagens da época, Dulcina, Getúlio, Nelson, etc. Por mim tudo bem, mas fazer isso em seis horas e sem um texto decente não dá. É o velho vício da vanguarda. Quando alguém que fez alguma coisa muito diferente resolve fazer algo igual a todo mundo, sempre pode dar a desculpa que está se reinventando ou se aproximando do público. E seus erros na cópia ao padrão vão ser encarados como marcas do seu estilo.

Restava ainda uma última esperança: será que rolariam uns peitinhos? Aguardei por mais uma hora e nada. Voltei pra rodoviária com uma vaga frustração. Imaginava que não ia gostar da peça por um motivo e acabei não gostando pelo motivo oposto. Pensei no fubá. Nessas horas uma polentinha frita cairia muito bem.

sábado, 22 de maio de 2010

Crítica de cinema do Galvão

Bem amigos do cinema brasileiro, ontem eu capitulei a pressão desses deslumbrados das claquetes e fui assistir ao tal filme argentino que ganhou o Oscar. Veja bem, fui assistir em casa e com DVD comprado na Uruguaiana, que eu não vou dar meu dinheiro para esses diretores de la Boca. Já basta a grana que a Petrobrás dá para o Babenco.

Logo na primeira cena do filme uma irregularidade. Aquela estação de trem, uma multidão meio desfocada, trilha sonora incidental. Mas é a cópia piorada de Central de Brasil. Que pouca vergonha, eu não vejo um roubo tão claro desde a Copa de 78. Indignado pensei em atirar aquela fraude pela janela e voltar para minha gloriosa filmografia do Humberto Mauro. Mas engoli meu orgulho com alfajor e chimi churri e continuei assistindo aquele embuste.

O filme prosseguia com a história de um escritor e seu problema: não saber escrever. Cada coisa que o homem anotava em seu caderninho era uma combinação de metáforas terríveis. Creio que até meu colega Neto, da televisão concorrente, poderia mais em seus arroubos de inspiração. Angustiado com a falta de talento, o sujeito aposentado decide visitar seu antigo trabalho no funcionalismo público portenho e mexer no angu de um caso de assassinato e estupro, arquivado vinte anos atrás pela incompetente justiça do nosso querido povoado vizinho.

A partir daí vira um pouco de cada coisa. E cada coisa que vira a gente já fez melhor por aqui. “Filme de mulher assassinada pelada.” No nosso o culpado era um vampiro que preferia bundas às carótidas. “Filme de quero comer minha colega do escritório” Aí é até covardia, pra começar no deles não rola nem um reles peitinho da chefe gostosa e não tem nem secretária, quem vai apanhar o café é um office-boy. Coisas de argentino. “Filme de ditadura militar.” Vem cá, por acaso eles botaram o Pedro Cardoso pra seqüestrar o embaixador americano com a ajuda do Rui e da Vani?

E ao final o que descubro? Nem o roteiro do negócio era original. Ora, adaptar livro é coisa que o Barretinho já fazia quando ainda disputava as categorias de base da copinha de Cannes. E naquele tempo ainda presenteava as platéias mundiais com a Sônia Braga na cachoeira.

Os argentinos levaram essa do mesmo jeito de sempre. Na base da cusparada, da catimba e daquela câmera safada de seriado. Mas nada de chororô, torcida brasileira, o Walter Salles já providenciou o contra-ataque na Champions League de Hollywood com o “Pé na Estrada.” Diga aí, diretor brasileiro, quantos Oscars você não daria pra poder sussurrar um ação no ouvidinho da Kristen Stewart (a gostosa do Crepúsculo) e da Kirsten Dunst (a gostosa do Homem-Aranha)? Bota o Campanella no bolso, Waltinho!

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Frenesi Polissilábico

Comecei a ler o Frenesi Polissilábico na manhã (tarde) seguinte ao meu aniversário. A introdução e as duas primeiras críticas desceram suaves como um café com leite e pão picado com manteiga. Cumpriam com eficiência sua missão: distrair a cabeça da ressaca e da tarefa de arrumar o apartamento revirado.

Esse primeiro parágrafo é mais ou menos o que o Nick Hornby, autor do livro, faz por todo o Frenesi. Escrever sobre os livros de um ponto de vista totalmente pessoal, o que inclui contar se estava lendo numa viagem com os filhos pequenos enchendo o saco ou se é cunhado do autor. É uma crítica sem rame rame, sincera, focada na experiência da leitura. Enfim, não preciso falar nada disso aqui, basta você procurar no google.

Achei que o livro se encaixa na definição ideal de presente: uma coisa que você adorou ganhar, mas que por um motivo qualquer não compraria. É parecido comigo pelos olhos dos outros. Como não simpatizar com um sujeito que usa o mais importante de todos os critérios de avaliação da arte: a implicância.

Nick lia “Notas sobre um Escândalo” e estava gostando até o ponto em que um dos personagens se meteu a falar de futebol. Bastou uma simples frase sobre o resultado de um jogo pra iniciar sua ladainha. “Ninguém jamais disse o Arsenal ganhou do Liverpool de 3x0 em toda a história da língua inglesa ou do Arsenal. As pessoas falam “meteu”, “enfiou”, “deu de”, qualquer coisa menos ganhou.” Logo depois assim conclui esse adepto da filosofia do detalhes tão gigantes de nós dois. “E acho que meu desânimo e minha descrença me levaram a questionar outras coisas e a trama começou a se desenredar um pouco.” Isso ainda foi porque a mulher botou o time dele ganhando. Sabe quantas vezes eu já li num romance que o Botafogo ganhou de alguém? Uma! E eu era o autor.

Já deu pra perceber que isso aqui é só uma desculpa pra usar o mesmo critério com o Frenesi. Então vou parar de enrolar e contar logo qual foi minha implicância. Vira e mexe o sujeito elogiava uns livros que pareciam ter uma trama direitinha, com personagens interessantes e tal, mas eram previsíveis de dar dó. (Eu não li nenhum deles, mas dava pra sacar porque tinham um capítulo publicado entre as críticas. Basta uma colherada pra saber que falta tempero no feijão).

Mas eu não culpo o cara. Afinal, não dá pra exigir muito do gosto de alguém que cresceu vendo futebol inglês. O Beckhan pode até jogar direitinho, fazer seus golzinhos de falta e acertar umas cobranças de escanteio, mas duvido que ele consiga dar um drible da vaca, ou mesmo uma mísera pedalada. Futebol ou literatura, sem uma firula de vez em quando, ganham uma sonolência digna de um Fulhan X West Ham.

Enfim, o importante é que o Nick Hornby consegue escrever sobre livros sem parecer pedante ou vazio, o que eu acho bem difícil. Tem um clima de discussão de boteco (ou pub) que eu gosto bastante. As vezes ele vai feito um Gerrard com passes precisos, simples e inesperados. Noutras ele fica meio desengonçado, dá umas caneladas, mas faz gol e ganha no carisma. Feito um Peter Crouch.

sábado, 1 de maio de 2010

Notas do mundinho musical

Partideiros, compositores, jornalistas, rappers, intelectuais e desocupados em geral reuniram-se nesta tarde num bar próximo à Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, com um objetivo comum: encontrar uma nova rima para “samba”. Desde “O X do problema” de Noel Rosa, que lançou “bamba”, “muamba” e “caçamba”, o ritmo não possui palavras novas para alimentar sua auto-referência nesses últimos 80 anos.

Jurandir do Estácio abriu os trabalhos com “Joalheria”. “Bota brinco de pérola, pulseira de prata, colar de âmbar/ Sai toda dourada pra roda de samba.” A recepção foi um pouco fria, apesar da rabada com agrião fumegante, que chegou às mesas, ao mesmo tempo que a canção. “É muito certinho. Parece coisa da burguesia Zona Sul que infesta a Lapa”, disse Eugênio da Mata, jornalista, antropólogo e morador de Ipanema. Outro questionou se não seria perigoso uma madame ir pra Madureira tão cheia do ouro. Ganhou uns bons pescotapas pra aprender a ter mais respeito.

Quieto, num cantinho amontoado de cadeiras, Nelsinho da Gamboa passaria facilmente despercebido, talvez até mesmo conseguisse sair sem pagar a conta. Mas ele preferiu arriscar para a glória com “Exaltação à La Paz.” “Chegou uma encomenda de lá de Cochabamba/ Compra cerveja e convida o delegado pro samba.” Simples, direto e com a típica ironia-crônica-social-homenagem-à-essa-tal-malandragem que tanto agrada seus camaradinhas. Mas não pegava bem nesses tempos de UPP e Choque de Ordem.

Percebendo um certo exaltar nos ânimos, Paulinho Bloch do trio “Tive Não” preferiu apostar no tradicional e mandou seu “Morena”, com bastante convicção. “Cheia de veneno, gosta do sereno/ Na madrugada que a coisa descamba/ No baile funk e na roda de samba”. O comentário que se seguiu aos seus versos: “sem sal”, definitivamente não se referia à generosa porção de jilozinho frito da Tia Palmira, temperada na medida certa.

Tião de Oxóssi buscou algo mais raiz com “Quando o semba virou samba”. “Do batuque que nasce do pé, da Guiné, do Malauí, do Zâmbia, veio o semba que no candomblé cresceu até virar samba.” Gerou desconfiança entre a velha guarda. “Se tivesse mais meia dúzia de nome de orixá, até passava, mas só como samba-enredo”. Alguém ainda tentou levantar uma questão de coerência histórico-geográfica, mas ninguém deu ouvidos. O orvalho vinha caindo e os presentes decidiram subir a Rua do Lavradio, para resolver a parada na sinuca.

sábado, 24 de abril de 2010

Bombril na Antena

O PT e a MTV são hábitos que uma vez adquiridos na infância tornam-se difíceis de abandonar na vida adulta. Além de conviver com seus defeitos, herdamos o ranço de superdimensioná-los. O que é normal ou padrão nos outros, neles soa como uma imperdoável traição a nossa ingenuidade. A metáfora política acaba nesse parágrafo mesmo, não precisa correr das próximas linhas. Daqui pra frente cada um decida por conta própria quem é o Delúbio do canal.

Começo pelo primeiro pí. Não lembro qual o programa, mas eram umas oito da noite. O apito de censura bastou pra eu começar com a nostalgia. Ah, o bem que fazia aos meus ouvidos infantis, os palavrões ouvidos com naturalidade pela tarde, com hambúrguer de frango e guaraná. Era Beavis e Butt head, o Gordo num iglu quebrando os CDs, até aquele programa de debates da Soninha. (Hoje o Gordo trabalha pro Bispo Macedo e a Soninha pro Kassab. Pelo menos no Beavis e Butt head a gente pode confiar, nem tudo está perdido nesse mundo).

Só que há coisas piores que o moralismo súbito. Os reality shows da MTV gringa fazem o pessoal do Big Brother parecer gente boa. Tem um inacreditável que são uns meninos mostrando a mansão da família. Ilha de Caras perde. A programação nacional também não anda lá essas coisas. De quem foi à idéia do Lobão reencarnado no papel de Caetano Velloso? Tudo bem o sujeito querer fazer um programa polêmico-pretensioso, mas ele não devia pelo menos uma vez chamar um convidado que discordasse dele? O programa de humor improvisado lembra muito os exercícios de uma aula de teatro, o que não é bem o que a maior parte das pessoas classificaria como engraçado.

Há também os programas feitos pra galera de colégio. Sei que eu não devia dar palpite nisso, mas sou um sujeito que se preocupa com as novas gerações. Acho que a banda que você escuta com 12 anos vai ter muita influência na sua vida. No meu caso era Raimundos. Garanto que ouvir “Puteiro em João Pessoa” é muito melhor pra cabeça de um moleque do que o que essas versões encarnadas do “The Mommy's Boys” disseminam por aí.

Não que eu seja do tipo saudosista, acho que a proporção de bandas ruins, hoje, é mais ou menos parecida com a do fim dos anos 90. Só que no lugar das gostosas de shortinho entraram caras de franjinha. O que torna o mundo um lugar pior pra se viver.

Pra não dizer que eu só falo mal das coisas, o Top Top, continua um programa bom, embora vez ou outra eu tenha a impressão de estar vendo uma reprise. O Furo MTV é engraçado, mas não tanto pra durar meia hora. O Comédia às vezes tem bons momentos, como o da torcida acompanhando o café do Túlio Maravilha. O do Didi tem uma cara-de-pau massa, e é um programa que não se leva a sério, o que já é bastante. E o Cazé continua mantendo o espírito das antigas. É o Eduardo Suplicy do canal. Ah, e é impossível não se apaixonar pela Titi, após dois minutos olhando a ruiva na solidão da hora do almoço.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

O dia que eu deixei de ser ateu

Acordei no domingo repetindo a máxima, que durante a semana virara um mantra: “Não, se preocupe, porque nada vai dar certo”. Pensava em quais sutis crueldades o fatalismo me reservaria pra aquela tarde. Nós Botafoguenses, somos assim, nunca chegamos na Bossa Nova. Até hoje cantamos “ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de Baudelaire.” Aprendemos a viver no mundo, onde só há uma lei: a de Murphy.

O pessimismo me fez ignorar os sinais se perpetuando pelo universo. A Unidos da Tijuca e o time de vôlei, do Osasco, que padeciam de mal semelhante, haviam exorcizado seus fantasmas. 2010 são os 21 depois dos 21. O número predestinado a encerrar o trauma. Está aí o presságio do filme do Didi que não me deixa mentir. Desconfio até que aquele vulcão enlouquecendo da Islândia contém alguma mensagem cifrada.

Para cumprir a profecia é preciso um escolhido. Se eles tinham o Império, nós temos Loco Skywalker. Que dispensando a força, bateu o pênalti com o elemento que faltou ao Botafogo nas decisões passadas: o escárnio. O goleirinho deles viu a bola pousar cinicamente sobre as redes com a gentileza que ele desconhece. Talvez o moço tenha aprendido ali algo sobre um modo melhor de tratar suas mulheres. Talvez não.

Era o momento ideal para recuperar a fé perdida. Mas não. Em cada segundo do jogo um pensamento persistia: “alguma hora vai dar merda.” A ideiazinha maldita foi me abandonando aos poucos, depois do último apito do juiz. Aí veio uma euforia inédita, uma serenidade que eu não sabia que a vingança poderia trazer. Repassei os lances do jogo. Tudo que era adorno para tragédia ganhou um significado novo. A vida parecia fazer sentido. Sabe aquela piada do Woody Allen, “Por que Deus não dá uma prova da sua existência, como abrir uma conta em meu nome num banco suíço”. Foi mais ou menos por aí.

Nada mais que acontecer esse ano no esporte terá um efeito parecido. A Copa é um detalhe menor do ano em que eu vi o Botafogo superar o trauma do imponderável e se reconciliar com Deus. Feito Jó. Feito um Hamlet que deu certo. E se nas vitórias as citações ficam mais óbvias e o estilo mais besta, paciência. A gente se acostuma.

PS: Loco Skywalker e escárnio, tem um efeito mais bonito no texto, mas de todos os heróis do jogo, eu destacaria Jefferson. E ainda tem aquela história de que ele trabalhou num circo, quando menino. Azar do Fellini, que morreu sem conhecer o Botafogo.

domingo, 11 de abril de 2010

Bastidores do Mundinho Literário

Nota do Editor do Blog: O nosso amigo Austregésilo mandou seu manifesto na véspera do último Natal, infelizmente devido a problemas postais só o recebemos em data próxima ao Carnaval. Lido na quaresma, decidimos aguardar até o Natal deste ano, ou uma data equivalente em outra cultura para sua publicação. Chegamos a considerar a Páscoa como momento apropriado, decisão descartada pela obviedade da piada. Mas para o Austregésilo deixar de torrar nossa paciência o texto vai agora mesmo. Divirtam-se.

Campanha: Pelo Natal do Escritor Feliz

Amigos, foi-se o tempo em que os livros estavam ausentes das listas de presentes e dos amigo-ocultos nas festas de Natal das famílias, firmas, clubes, ou qualquer outro lugar em que as pessoas se reúnem pra encher a cara de cidra e comer aquele frango transgênico com farofa e salpicão.
Sua tia, sua avó, seu chefe, seu cunhado, até mesmo aquela recepcionista extremamente gostosa (e que acha que Vinícius de Morais é o autor daquelas novelas passadas no Leblon) encontraram, entre seus desejos de consumo de fim de ano, um lugar para os livros, ali pertinho do reservado para a chapinha de cabelos, o grill do George Foreman e o CD do Roberto Carlos.
Era de se esperar que com esse surto bibliófilo os escritores tenham melhorado de vida ao menos o suficiente para que sua alimentação deixe de depender exclusivamente dos almoços com os editores e dos canapés das noites de autógrafos.
Ledo engano. Continuamos sem ter algum nem para os fios de ovos que adornam o tender, tendo que recorrer a meios vulgares de sobrevivência e até mesmo arrumar um emprego em casos extremos de penúria pecuniária (perdão, vez ou outra tenho recaídas no meu velho vício de aliterações).
“Pobres fatos, não se cansam de seus truques.” Assim diria um velho colega meu, ex-poeta concreto flertando com a realidade. Procuram-se livros escritos por todo tipo de gente: padre, pastor, defunto, ex-gordinho, ex-celebridade, ex-prostituta, ex-deputado. Todos vendem, com exceção de nós, escritores de ofício e vocação.
Amigos isto é uma indignidade que já não pode mais prosseguir. Por acaso nós bulimos com a profissão dos outros? (Tudo bem, o Moacyr é exceção, mas mesmo ele parou de clinicar depois que uma paciente reclamou da falta de coesão de uma de suas receitas). Ora senhores padres, por que não se contentam com o descomunal sucesso editorial da Bíblia? Para que se meter a fazer outros livros, até ontem isso não era heresia, meu Deus? Imagino a cara que fariam os senhores, se nós resolvêssemos sair por aí a rezar missas e distribuir exorcismos e extrema-unções.
Senhoras putas, após tão importantes serviços prestados à literatura universal, por que apagar as manchas de amor dos lençóis da história, fazendo suas próprias confissões sexuais venderem muito mais que as nossas. Senhores espíritos de luz, se não publicaram em vida, por que fazê-lo em morte, quando já não podeis mais desfrutar dos direitos autorais e das universitárias mais belas e faceiras a cada lançamento. Sejam camaradas, ó gasparzinhos, contentem-se em puxar nossos pés e parem de puxar nossos tapetes.

Austregésilo de Almeida é escritor premiado, traduzido em 17 idiomas e está com os exemplares de seu último livro, encalhados desde o natal de 88.

domingo, 4 de abril de 2010

Folga do ócio

(Matéria minha que saiu no Jornal de Teatro de março.)

As visões de mundo mais cínicas costumam gerar alguma frase charmosa para ser usada nos momentos de síntese. A citação mais famosa dessa faceta do jornalismo foi pronunciada no faroeste “O Homem que Matou o Facínora”, de John Ford. No filme, o repórter Maxwell Scott, resumia assim sua filosofia profissional. “Se a lenda for maior que o fato, publique a lenda”. Mr. Scott radiaria de felicidade ao receber essa pauta, sobre como “merda” tornou-se a coisa certa a ser dita nos momentos que antecedem uma peça. Palpites e lendas prevalecem onde a certeza já não existe.

Mas primeiro, vamos aos fatos. Um dos pontos em comum do teatro em diversas culturas é a superstição. Nessa lógica nada poderia ser menos digno de sorte do que o simples desejar de boa sorte, frase tida como maldita para atores e diretores de todo o mundo. Era necessária uma outra sentença, um código próprio ao espaço teatral. A palavra mérde começou a ficar popular nas coxias da França a partir do século XIX.

Aí começam as divergências. Há inúmeras versões para o acontecido, cada qual com seu nexo próprio. Uns vão pelo caminho mais simples, o da dialética. Se boa sorte dá azar, logo é preciso desejar algo muito ruim para garantir que tudo corra bem. E o que pode ser pior que... Bem, já deu pra entender.

Outros repudiam esse racionalismo extremado e buscam sua resposta numa fábula singela. Um ator iniciante se preparava para a mais importante apresentação de sua carreira, com a presença dos críticos mais conceituados da cidade. Ansioso, o pobre rapaz errou o caminho, foi assaltado, deparou-se com um incêndio e quando finalmente chegou ao teatro, pisou nas fezes que um cachorrinho deixou por ali. Abriu a porta gritando um dos nomes daquilo que emporcalhara seu sapato. Pouco depois, subiu ao palco e consagrou-se com a melhor atuação de sua vida. Essa é a explicação predileta da atriz Guta Stresser, que contou o fato à TPM, respondendo uma enquete feita pela revista, sobre a relação dos atores com a palavra.

Já para Marcelo Duarte, autor dos livros da série Guia dos Curiosos (espécie de Bíblia nerd nos tempos pré-Google) a origem é literária. “Em 18 de junho de 1815, tropas inglesas derrotaram o exército francês, que foi intimado a se render em Waterloo, na Bélgica. O general inglês Colville ordenou: "Bravos franceses, rendam-se". Pierre Jacques Etienne, o Barão de Cambronne (1770-1842), ficou furioso e respondeu: "Merda! A guarda não se rende jamais!".A frase de Cambronne foi imortalizada no livro "Os Miseráveis", do escritor francês Victor Hugo, e virou uma exclamação usada sempre em situações difíceis e decisivas, logo incorporada pelos atores de teatro.” Guia dos Curiosos__ Língua Portuguesa, Panda Books.

Existe ainda uma versão menos heróica. A causa da expressão seria econômica. Na bélle epóque, muitas carruagens paradas na porta do teatro indicavam duas coisas. Calçadas sujas e bilheterias esgotadas. Quanto mais excremento mais sucesso. Simples, revelador e parecido com a explicação de Freud para a fase anal das crianças.

Se a simpatia pela “merda” é constante no universo do teatro, poucos levaram tão longe esse fascínio quanto o dramaturgo francês Antonin Artaud. O criador do Teatro da Crueldade, que abolia a supremacia da palavra e distância entre o ator e a plateia, via o ato de defecar como uma forma de purificar o corpo e atingir ao sagrado. “Onde cheira a merda, cheira a ser,” escreveu em “Para acabar com o julgamento de Deus.” Foi a senha para que o sentido literal atropelasse a metáfora, saindo dos bastidores para ocupar o centro do palco.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Consultório Sentimental do Doutor Caligari

Prezado Doutor Odvan Caligari,

No começo eu até achava bom, era primavera e a gente ia do leme ao pontal pra ver o azul da cor do mar. Bastava ele sussurrar um “você é algo assim, é tudo pra mim, é como eu sonhava baby” que eu já acendia os faróis. O sexo era uma delícia, um vale o que vier, vale o que quiser. O único problema era que ele reclamava muito, ficava o tempo todo dizendo “vamo lá”, “mais retorno”, “cadê o eco”. Teve um dia que ele chegou ao cúmulo de dizer que meu orgasmo era muito agudo, posso com isso? Outra coisa que me irritava, logo antes de gozar ele gritava sempre “olha o breque”. Era horrível, eu perdia totalmente a concentração. Com o tempo as coisas só foram piorando, o safado deu pra trocar meu nome. Me chamava de Cristina, de Jurema, de Juliana. Largou o emprego no dia de santos Reis. Reclamei, ele mandou não amolar, só queria sossego. Nosso apartamento virou um pedaço de Saigon e sem a luz néon, que o bandido deixou de pagar a conta. Agora, o doido só anda de branco, vive num papo de Manuel, de imunização, de glândula não sei o que. Fica enchendo meu saco pra eu ler “O Universo em Desencarno”, “Universo em Desembarque”, um troço desses. E ainda quer trazer um tal de Grão mestre varonil pra morar aqui em casa.. Puxa, doutor, sabe quando alguém que a gente ama vacila e põe tudo a perder? Só o senhor pode me ajudar, o que eu faço?

Vitória Régia, Méier, Rio de Janeiro-RJ

Caríssima senhora Vitória Régia,

Em minha vasta experiência clínica tive a oportunidade de presenciar inúmeros casos semelhantes ao de seu cônjuge. Todos tiveram fim trágico, coisa de suicídio, cadeia, hospício ou fuga com o filho do porteiro. Vou lhe apresentar alguns possíveis diagnósticos baseados em sua zelosa e precisa descrição dos sintomas. A propósito, cara Vitória Régia, já pensou em seguir a carreira médica? Percebi nessa sua carta uma vocação inata, um talento incrível, coisa rara. Quando você precisar de uma oportunidade já sabe a quem recorrer. Mas voltando aquele nosso outro assunto, a possibilidade mais concreta é que o seu esposo tenha desenvolvido um transtorno bipolar de personalidade, com tiques de esquizofrenia e deliriuns tremens. Em linguagem corrente despirocou, ficou lelé, tá jogando pedra em avião. Nesse caso, doce Vitória, o tratamento é penoso, caro, ingrato e a cura mais do que incerta é altamente improvável. Porém como diria o imortal Willian Shakespeare, há mais coisas entre o céu e a terra do que... do que su... Bem, não é hora pra citações mesmo. O fato é que não devemos nos limitar aos caminhos da ciência. O seu marido pode estar é com um encosto dos bravos. Aí, o buraco é mais embaixo, prepare-se para gastar tempo e dinheiro com oferendas complicadíssimas, cerimônias de exorcismo, pentagramas, pajelanças, rituais de sacrifício. Sem falar que não é muito aconselhável mexer com essas coisas, vai que o encosto é vingativo, as conseqüências podem ser terríveis. Mas não devemos ainda excluir nenhuma das esferas da questão, inclusive a jurídica. O moço pode estar fingindo insanidade pra te extorquir uma pensão vitalícia num processo de divórcio. Eu sei, é sórdido, é abjeto, mas é muito mais comum do que a gente imagina. De todo modo, para poder determinar em quais desses casos seu marido se encaixa, nós teríamos que conversar melhor. Talvez você pudesse dar um pulinho no meu consultório, aqui perto tem um restaurante tailandês ótimo e um cineminha super aconchegante. Aí quem sabe você esquece de vez esse traste que já te deu motivo pra ir embora e começa a pensar mais em você. Vai te fazer bem, buscar novas e agradáveis experiências, como por exemplo sentir o toque másculo de uma luva cirúrgica pelo seu corpo ou conhecer as deliciosas combinações de éter e chantili. Estou te esperando, Vivi. Um beijo.

Vanzão

(Doutor Odvan Caligari é o Nelson Motta da psiquiatria brasileira)

sábado, 20 de março de 2010

Bombril na Antena

Nesses tempos chatos de planejamento de mídia e diretores de criação parece impossível encontrar algum programa de televisão onde tudo é aleatório. Não do tipo “aleatório experimental”, ou “vamos entrar na moda trash”, mas simplesmente aleatório aleatório, sem sentido e sem intenção de ser assim. A pérola existe e tem o nome de Brothers, o programa dos irmãos Suplicy na Rede TV.

Pequeno aperitivo das atrações: Uma criança de terno explica os terremotos do Chile e do Haiti, um ator imita um esquizofrênico se estapeando num ponto de ônibus, um repórter com uma camisa florida faz uma matéria sobre assédio sexual na... Risadaria (espécie de FLIP para humoristas que acontece nesse fim de semana em São Paulo).

Supla apresentando é o Supla de sempre com seus “yo papito” e “c`mon kids”. Já seu irmão João herdou a malemolência e a animação do pai Eduardo, que encanta o Senado brasileiro com seus monólogos e números musicais. (Aliás, seu Suplicy merecia um quadro próprio no programa.) Além de chamar as matérias, interagir com a platéia e fazer merchandising a dupla ainda toca o que der na telha. Nada muito extravagante, Beatles ou Jorge Ben Jor.

Mas tem umas assistentes de palco bem gostosas com roupinha de couro e patins. Minha favorita é uma das recém contratadas. Moça atípica no ramo, magrelinha e de rostinho angelical, não tem muita paciência para as coreografias nem tino para o improviso. Quando é focalizada durante alguma música limita-se a balançar os bracinhos com a graça inata das meninas que dispensam essa coisinha previsível chamada ritmo. Minimalista e irresistível.

Se é a experiência mais radical de nonsense da televisão brasileira, uma versão dadaísta do Caldeirão do Hulk, ou se os irmãos compraram esse horário na Rede TV pra tirar uma onda, eu não sei nem arrisco palpite. Só sei que se sua ressaca de sexta feira durar até as seis da tarde do sábado pode valer a pena.

PS: O texto aí vai pro João que ajudou a garimpar essa maravilha.

quarta-feira, 17 de março de 2010

terça-feira, 9 de março de 2010

Bastidores do Mundinho Literário

Tudo nos conformes durante o lançamento do novo livro do poeta Paulinho Bic de Ouro: “Glosando o Gozo”(169 pág., edição do autor). Fãs, amigos de longa data e curiosos em geral aglomeraram-se nas mesas do Café da Rua 8, na 408 Norte, em ávida disputa pela batida de caju e pelos bolinhos de aimpim com carne seca, especialidade da mãe do autor. Dezessete exemplares foram vendidos, segundo estimativas da orgulhosa genitora.

A simpática senhora não quis se pronunciar a respeito da nova obra de Paulinho. Seu exemplo não foi seguido pelos integrantes da fila de autógrafos, que prevenidos, trouxeram de casa seus comentários. “Melhor que a mulher só a mulher”, disse Tico Blue, poeta concreto, parafraseando Neguinho da Beija Flor. “É a curva da Catedral, a umidade do Paranoá e a solidão das entrequadras no corpo da mulher amada”, anunciava o onipresente Nicolas Behr. “A criação poética sempre uma forma velada de masturbação, Bic de Ouro dispensa as metáforas e o jogo lírico jorra sem culpa”, opina Max Guimarães, aluno do segundo semestre do curso de Letras da UnB.

Longe dos gravadores e bloquinhos de anotações uma polêmica de menor escala corria à boca pequena pelas mesas dos literatos. “Glosando o Gozo” seria uma tentativa desesperada do poeta renovar seu público e recuperar seu prestígio com as incautas da linguística, após o fracasso de sua última publicação “Tucano na Cut”, um estudo de palíndromos sobre o sindicato dos servidores da prefeitura de Unaí. “Ele esnobou grandes musas do nosso tempo como Sandra Breyer, Adele Fátima e Regina Casé para concentrar-se nas moças do presente,” revela um amigo de infância de Paulinho que preferiu não se identificar. Uma releitura do poema “Jogos Frutais”, de João Cabral de Mello Neto, ocupa quase a metade do livro.

Questionado sobre o assunto, Paulinho Bic de Ouro não confirma nem desmente. Completa a dedicatória, dá um efusivo abraço no repórter e recita trechos de sua nova obra, escolhidos ao acaso. A poesia carrega em si suas respostas, mesmo que às vezes elas venham acompanhadas por gotículas de cuspe.

“Chateaubriand, Parmegiana, Osvaldo Aranha
Que receita se dá com essa pequena
Única dona de exuberância tamanha
Flor do estupor da Carne Morena”

(Trecho de Soneto à Mulher filé)

“Ai como ia ser bom
Ser só um ácaro no seu edredom
Tocar a bundinha na telinha
Fazer carne o que é cristal
Pra manter nossa insana paixão
Perco a dignidade, a razão
Aturo até o Pedro Bial”

(Trecho de Ode Espiadinha)

“Quando o vento sopra
a mata densa revela seu tesouro
Cachos a serem regados”

(Haikai para Cláudia Ohana)

Pequenas questões da humanidade

Seria Lobão o novo Jabor?

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Bombril na Antena

Notas sobre a vida sem TV a Cabo

O incontestável título do Glorioso na Taça Guanabara deu origem a uma nova superstição alvinegra: a ressaca do comentarista. Na semifinal contra o Flamengo foi o Wright que apareceu com cara de ter acabado de chegar da região dos Lagos. Levou meia hora pra entender a jogada ensaiada do Fogão, que pra se defender da arbitragem, fez Fahel virar Fábio Ferreira. Na final contra o Vasquinho foi a vez de Júnior com uma rouquidão de quem emendou o desfile das campeãs com o show do Monobloco. É só garantir a night desse povo que esse ano o Campeonato Carioca é nosso.

Na escassez de filmes legais passando na TV aberta foi louvável a exibição do Os Fantasmas Contra-Atacam (1988) pela CNT, ainda que meio fora de época. Uma das poucas adaptações divertidas do conto de Natal de Dickens, mostra um executivo de TV sacana (Bill Murray no auge) como o Senhor Scrooge. Formato clássico da Sessão da Tarde é recheado de boas tiradas, “Charles Dickens gostaria de ver os seios dela.” “Meu presente de Natal, papai, o que é? Oitocentos gramas de vitela, filho.” O final é com muita glicose, mas Natal em Holywood não tem outro jeito.

O SBT se mantém na vanguarda do trash televisivo. Ao importar as pegadinhas picantes da Rússia Sílvio Santos reafirma sua missão nesse mundo. O princípio das esquetes é sempre o mesmo: mulheres razoavelmente gostosas mostrando os peitos em lugares públicos. Partindo daí criam-se as mais diversas situações em parques, restaurantes, lojas de brinquedos. Sem palavras e sem sutiãs. Com trilha sonora de videogame e animações precárias para fazer a transição dos quadros. A atração, exibida aos domingos, já é o novo coringa da programação da emissora, sendo reprisada aleatoriamente em outras madrugadas. Só não dá pra entender a reação afetada da maioria dos russos ao depararem-se com as moças desnudas. Será que esse Dostoievski é Baryshnikov?

Vendo essa euforia da Record com os Jogos Olímpicos de Inverno não compreendo como as emissoras não descobriram os Jogos Mundiais, uma espécie de Olimpíada de esportes não olímpicos. Da dança de salão ao handebol de praia Da sinuca ao surf. E com outras inimagináveis modalidades, como corfebol, punhobol e netbol. A próxima edição será em 2013, em Cáli na Colômbia. Interessados na transmissão devem contatar o departamento de comunicação da IWGA (International Word Games Assossiation) pelo e-mail com@worldgames-iwga.org.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Carnaval do Rio (dias 2,3,4,5,6...)

Alguém por acaso acreditou que eu ia realmente ficar mexendo com o blog no Carnaval? Se eu aguentasse até faria um texto sobre a natureza da ressaca e das gripes que a acompanham. Mas é o tipo de coisa que dá muito trabalho pra não ficar redundante. Nem vale a pena começar.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Mamelúdicos Eufóricos (Carnaval Rio, dia 1)


Quando a moça do carro de som citou Nietzsche senti que tinha acabado de entrar numa roubada. Mas depois da terceira Antártica tudo ficou melhor. O bloco dos “Mamelúdicos Eufóricos e outros Intereofóbicos Frenéticos” deriva de uma “oficina de dança que faz releituras de ritmos populares”. Seja lá o que isso queira dizer é preciso ter muita cara de pau pra tocar Age of Aquarius no carnaval. O bloco saiu (ou nas palavras deles se expandiu) na noite de quinta-feira em Botafogo, na esquina da Rua Real Grandeza com a Visconde de Caravelas.

A coreografia em homenagem a Elza Soares foi um dos momentos mais divertidos do desfile. Apesar do clima meio Hair não vi nem sombra de Maria. Seria já o efeito do tal de Choque de Ordem?

Era notável a presença das “novinhas de 14”. Aroma de Rexona Teen e chiclete mentolado pra Nabokov nenhum botar defeito.

As gringas também contribuíram para o deleite coletivo. Loiras da África do Sul à Alemanha. Minha primeira musa do Carnaval é dinamarquesa. Uma graciosidade de menina, fazendo seu mochilão após o fim do ensino médio. A pele alva lembrava aqueles biscoitinhos dinamarqueses que vinham numa caixa de lata e eram relativamente populares na minha infância de dólar barato. O sotaquezinho em seu inglês era de uma beleza sobrenatural. Aliás, Deus abençoe o CCAA. Valeu!

Uma coisa curiosa é que a moça tinha o mesmo nome da personagem estrangeira do livro que eu tento escrever. Já é terceira vez que ocorre algo parecido comigo. Fato que dá margens a teorias pilantras em vários campos do conhecimento humano. Minha favorita é a uma baseada na máxima de que “a unha encravada é a mais propícia às topadas.” Mas deixa o merchandising pra depois.
A melhor fantasia disparada foi a de Frida Kahlo.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Palpite infeliz

Escreva o mínimo possível é um consagrado conselho para iniciantes, com variações atribuídas a diversos autores. As razões do sucesso são óbvias. A frase é um excelente modo de cortar a conversa e evitar chatos, e ainda carrega de brinde aquele tonzinho cínico que cai tão bem nos coquetéis. A maioria agradece com sinceridade à revelação recebida. Difícil é segui-la.

Com o blog a coisa degringolou de vez. Não precisa de aval de editor, dinheiro pra gráfica, o potencial de leitores é ilimitado e dizem que tem gente vivendo disso. Aí pronto, nem passando pimenta no teclado pra parar a legião de palpiteiros.

E eu entro nessa, mesmo acreditando que a última coisa que o mundo precisa é de mais gente pra dar opinião e bancar o engraçadinho. E por quê? Não sei e nem vou justificar dizendo que estou aí pra tentar descobrir. Quando a verdade é muito evidente, melhor nem dizer.

Volto pra essa vida sem assunto, reforma ortográfica ou plano de periodicidade. E já começo errado, fazendo prefácio onde não devo. Talvez um dia melhore.