domingo, 19 de setembro de 2010

Seu Valdir no Rio

O Cagüeta e o espírito público

Desminto logo o que dizem por aí. Sim, larguei minha aposentadoria para virar dono de revista, mas muito se engana quem maldiz que virei um Adolfo Bloch, um Assis Chateubriand, um Roberto Marinho. Gordo, bebendo uísque 18 anos e apagando charutos no copidesque. Muito longe de ser um Cidadão Kane mantenho vários dos meus hábitos de velho proletário das letras. A ausência de férias, por exemplo. Essa semana mesmo, tive que interromper meu retorno a sagrada rodinha de peteca do Posto 9 pra continuar minha incansável luta pela revista Cagüeta.

Mas vocês sabem como é. Sonho que se sonha só é só um sonho, mas sonho que se sonha junto se torna realidade. (Aliás, eu lembro quando essa frase ganhou o prêmio Trotsky de trava-línguas revolucionários, como a gente se divertia naquele tempo, o chato era a agulha debaixo da unha.) Foi com grande alegria que descobri que a minha patota está bem representada nos dois principais candidatos ao governo fluminense.

Decidi que ia fazer uma visitinha aos dois, para relembrar os velhos tempos. Afinal, eu sei que a Copa, as Olimpíadas estão aí, mas sempre sobra um lugarzinho para os amigos no lado esquerdo do peito e num editalzinho oculto no orçamento da secretaria de Cultura.

Confesso que algo esquisito me ocorreu enquanto estava na sala de espera do comitê do Fernandinho Gabeira. Ao invés de agradáveis pensamentos sobre os nossos tempos de exílio na Suécia ou de quando eu, ele, Ledinha Nagle e Lucélia Santos fomos inspirar uma manifestação ecológica numa comunidade em Saquarema, sinistras preocupações ocuparam minha mente. Será que o pessoal da ARENA resolveu por em prática a operação Paul Mc Cartney em que eles iriam matar o rapaz e substituí-lo por um sósia que se aliaria a direita carioca, confundindo todo mundo no Jobi? Será que meu amigo estaria tão morto quanto nosso querido Jornal do Brasil? (Querido, porra nenhuma, desde que me mandaram embora de lá em 72, eu sabia que ia dar merda).

Esperava me livrar dessas torturantes dúvidas quando o Gagá me chamou em sua sala e ligou o defumador de ar. Infelizmente a explicação coincidiu com o horário do meu surto de narcolepsia. E aquela poltrona acolchoada com massageador térmico estava tão convidativa... Acordei quando ele falava da única utopia que lhe sobrou: comprovar a eficácia das canções de Caetano como jingles eleitorais. Empolgado, mostrava seu último vídeo de campanha, saindo do mar tendo ao fundo “Menino do Rio”. Tentava convencer seus novos aliados a adotar a ideia, “afinal qualquer maneira de amor vale a pena.” “Você não acha, Valdir, que há um quê de “Tigresa” na Solange Amaral?” Ele foi simpático ao projeto do Cagüeta, mas disse primeiro ia precisar consultar o Rodrigo Maia.

Tinha certeza que o Serginho não faria esse tipo de desfeita comigo. O menino é praticamente meu afilhado, deve guardar lembranças dos momentos em que ele ia comigo buscar seu pai na casa do tio Jaguar e só voltava dois dias depois, pra desespero de sua mãezinha querida. Inevitável certa estranheza quando cheguei ao seu comitê esperando que ele honrasse a família com um bom sambinha e ouvi tocar na velocidade 5 um “Vai Serginho, Vai Serginho.” Mas tudo bem, são os novos ritmos que embalam essa rapaziada, coisas da juventude. Já para o Piccianni esperando na porta, é preciso uma desculpa melhor.

Assim que me viu Serginho veio com seu sorriso bolachudo relembrando os velhos tempos e fazendo manha. “Pô, tio Valdir, baita injustiça a imprensa encher meu saco por chamar aquele menino de otário. Nos churrascos do tio Aldir, lá na Tijuca isso era termo carinhoso.” Tentei ir direto ao assunto, mas foi impossível interromper o Serginho quando ele começou a falar do seu governo. Era UPP pra cá, UPA pra lá, PAC acolá e como eu já não consigo mais acompanhar qualquer conversa com mais de 3 siglas acabei me atrapalhando todo e esquecendo o que eu fui fazer ali.

Será que o Ziraldo me empresta uma grana?

Valdir possui 50 anos de serviços prestados ao jornalismo etílico mundial

Abraço pro outro Valdir, também ex-trotskista, que atualmente vive em exílio voluntário na Barata Ribeiro

Um comentário:

  1. saudosa época não vivida na qual haviam trotskistas de verdade andando por aí... o único problema era mesmo a agulha embaixo da unha

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