quinta-feira, 31 de março de 2011

Bar do Animal

Bar do Animal, Lençóis-BA

Em uma cidade nova o sujeito mal arranja um lugar pra guardar a mochila e já tem que tomar decisão importante: onde beber a primeira cerveja? Não tive esse problema quando cheguei em Lençóis. Terça-feira, pouco depois da meia noite, só havia um boteco aberto. Ou quase isso, já que com cadeiras e mesas recolhidas e três figuras ao redor do balcão, se revezando pra pegar as cervejas e mexer no aparelho de som, o “Bar do Animal” parecia reservado aos amigos do dono.

Nem bem terminei a primeira garrafa, já enchia meu copo com a dos outros. Um dos caras, guia turístico em tempo integral, tentava me convencer a agendar os passeios pela Chapada. Falava maravilhas dos lugares, vez ou outra, misturava os nomes de alguns deles. Sua obsessão era o Vale do Capão, onde aconteceria um festival de jazz no fim de semana. “Imagine só assistir ao show de Ivan Lins, num lugar místico, aconchegante e natural.” Imaginei foi o Beto Guedes abrindo o show de retorno dos Novos Baianos.

O outro sujeito era um gordinho de meia-idade, que foi segurança e contra-regra de teatro em Salvador. Sim, ele contava histórias escabrosas dos seus tempos no show business. Sexo em banheiro químico, cocaína, empresários picaretas e Ivete Sangalo eram os assuntos favoritos. O terceiro elemento era quem buscava as cervejas no freezer com mais freqüência e tentava convencer todo mundo a comer umas batatinhas em conserva com uma pimenta que ele dizia caseira. Era Edmundo “Animal”, dono do bar.

“Eu tenho o mesmo nome, o mesmo signo, sou goleador e Vasco da Gama”, justificou o apelido com uma voz que se parecia muito com a do dublador do Morgan Freeman. “Mas o senhor tem muito mais tempo de futebol do que o outro Edmundo...” “Sim, esse apelido é novo, tem uns quinze anos só. Antes era Djalma Santos.”

Não quis esclarecer como ele passou de lateral para centroavante. Outra semelhança entre os dois Edmundos era o temperamento. O “Animal” de Lençóis parecia estar sempre fazendo um grande esforço para se conter. Se não gosta de alguém é monossilábico, quando contrariado muda logo de assunto. As vezes cisma com qualquer coisa e se invoca sério. Outro dia, no colorido bar vizinho, um grupo de turistas ria e olhava pra ele. Bastou.

“Vocês querem alguma coisa aqui do bar? Não? Então, porque estão me encarando? Não sou puta. Olha que aqui a banda toca e toca cedo.” Seu Edmundo fechou o bar foi dar umas voltas. “Quando eu fico nervoso, me dá um negócio, branqueia a cabeça. Sei quando estão me olhando com maldade. Fui treinado pra isso.”

Além de habilidades como essa, guarda um casaquinho camuflado como lembrança do seu período militar. Foi do exército e da PM, mas não durou muito tempo por lá. Trabalhou para o Ministério da Saúde, fiscalizando os sítios da região, entre eles o de Raul Seixas. Quando decidiu que os filhos já estavam criados virou dono de bar. Exerce a atividade com satisfação e competência há pelo menos vinte anos.

Devido a uma inflamação de garganta crônica, seu Edmundo não toma cerveja. Só bebe cachaça e conhaque de alcatrão.