sábado, 23 de outubro de 2010

Diálogos de bar

Episódio de hoje: Totem

(4 participantes: 3 caras e uma mulher, Cenário)

__ Eu não vou contar o filme inteiro pra não perder a graça. Mas é mais ou menos assim. Tem um grupo de caras que invade o sonho dos outros.
__Tipo o Freddie Kruger.
__Por aí. Só que é uma parada organizada, tem o especialista em invadir, outro em construir o cenário, o que planeja.
__Foi o que eu disse, é um filme de roubo de banco.
__Nao é porra nenhuma. Deixa eu terminar aqui. A tática pro negócio dar certo é montar um sonho que pareça real. As vezes rola umas complicações, como a pessoa acordar em outro sonho. Então pros caras não se confundirem, cada um tem um totem.
__Um o que?
__Totem, um objeto que só você sabe que é real, que não pode ser imaginado por mais ninguém. Assim você sabe quando está no sonho ou não. É o que eu estou tentando descobrir nela.
__Como é que é isso, doido?
__Sabe quando você percebe que está gostando mesmo da menina. Que é um negócio meio sem volta e que uma hora você vai acabar se fodendo. Eu tenho que descobrir algum defeito nela pra ser o meu totem. Quando der merda, é o que eu vou usar pra manter a cabeça no lugar.
__Mas quem te garante que vai dar merda?
__A prática. Sei lá, é o tipo de coisa que comigo dá errado sempre. O amor não funciona pra todo mundo. É bom ter uma redução de danos de garantia.
__Você está testando essas frases com a gente?
__Mais ou menos.
__Sabia. Filho da puta. Igual a parada do Pingüim.
__Conta essa porra não.
__Encontro esse maluco bêbado e triste por causa de uma menina. Ele vira e fala. “Cara, sabe o filme que o Pingüim é candidato a prefeito e fica mó contente por ser aceito pelos cidadãos de Gothan City. Depois ele se decepciona descobre que só é feliz no esgoto. Ó como é que são meus relacionamentos.” Fiquei preocupado, o cara devia estar mal pra caralho pra falar um negócio desse. Daqui a pouco, ele vira. “Funcionou não, né? A comparação?”
__Mas era sério. Eu me sentia assim, de verdade. Só que eu queria usar isso depois.
__Ô, mas aquele final do Pingüim é muito triste, com o funeral dos pinguinzinhos.
__Pingüim já é um bicho meio triste por natureza.
__Eu roubei um pingüim uma vez.
???
__Numas férias aí um tempo atrás. A gente foi beber de madrugada no aquário da cidade. Aí uma coisa foi levando a outra...

domingo, 3 de outubro de 2010

No altar de Onã (Especial de Verão)

Pobres daqueles que saúdam a chegada do verão ligando o ar-condicionado. Não percebem o crime que cometem apagando os efeitos mais sublimes da estação símbolo dos trópicos. Como perder o espetáculo do rosear das bochechinhas e do cintilar das morenices mais faceiras? Aguardar a brisa da tarde penetrando nos vestidinhos das moças que passam. Vê-las sorrindo, agradecidas com a natureza.

O verão transforma aquele cumprimento casual nas pequenas, um beijinho pra lá, dois beijinhos pra cá, no ápice do dia de um homem. O suor de uma mulher é um bálsamo sagrado, perfume de alquimia delicada. Se apropria das mais variadas essências: óleos de sândalo, exóticas loções, protetor solar, para produzir a sua própria e inconfundível. Cada pele possui um almíscar pra chamar de seu. Mesmo sendo grande admirador da comparação pelo formato, a metáfora com as frutas eu faço pelo olfato.

Que espetáculo é a peleja da moça contra o calor infindo. Na fila do banco, na praia, no supermercado, trocando de lugar no ônibus pra fugir dos raios de sol. O puxa-puxa na laicra, saudável agonia com os panos que teimam em cobrir o corpo que padece. As coxas inquietas roçando-se, querendo escapar do vestido. E aquele sopro que ela dá no decote, mordendo o canto da boca e olhando pra baixo, toda esperançosa com a ventilação improvisada.

Quisera eu ser uma pedrinha de gelo, mulher. Derreter-te inteiro em ti, pra te salvar da inevitável insolação. Um Copertone em ebulição eterna pelo teu corpo, feito a manteiguinha do Marlon Brando. Se possível fosse transmutar-me-ia em um sacolé de coco pra servir de consolo pros seus lábios que mais sofrem.


Onã é personagem bíblico renegado e sabe o que é atravessar a seco o deserto do Saara