(Matéria minha que saiu no Jornal de Teatro de março.)
As visões de mundo mais cínicas costumam gerar alguma frase charmosa para ser usada nos momentos de síntese. A citação mais famosa dessa faceta do jornalismo foi pronunciada no faroeste “O Homem que Matou o Facínora”, de John Ford. No filme, o repórter Maxwell Scott, resumia assim sua filosofia profissional. “Se a lenda for maior que o fato, publique a lenda”. Mr. Scott radiaria de felicidade ao receber essa pauta, sobre como “merda” tornou-se a coisa certa a ser dita nos momentos que antecedem uma peça. Palpites e lendas prevalecem onde a certeza já não existe.
Mas primeiro, vamos aos fatos. Um dos pontos em comum do teatro em diversas culturas é a superstição. Nessa lógica nada poderia ser menos digno de sorte do que o simples desejar de boa sorte, frase tida como maldita para atores e diretores de todo o mundo. Era necessária uma outra sentença, um código próprio ao espaço teatral. A palavra mérde começou a ficar popular nas coxias da França a partir do século XIX.
Aí começam as divergências. Há inúmeras versões para o acontecido, cada qual com seu nexo próprio. Uns vão pelo caminho mais simples, o da dialética. Se boa sorte dá azar, logo é preciso desejar algo muito ruim para garantir que tudo corra bem. E o que pode ser pior que... Bem, já deu pra entender.
Outros repudiam esse racionalismo extremado e buscam sua resposta numa fábula singela. Um ator iniciante se preparava para a mais importante apresentação de sua carreira, com a presença dos críticos mais conceituados da cidade. Ansioso, o pobre rapaz errou o caminho, foi assaltado, deparou-se com um incêndio e quando finalmente chegou ao teatro, pisou nas fezes que um cachorrinho deixou por ali. Abriu a porta gritando um dos nomes daquilo que emporcalhara seu sapato. Pouco depois, subiu ao palco e consagrou-se com a melhor atuação de sua vida. Essa é a explicação predileta da atriz Guta Stresser, que contou o fato à TPM, respondendo uma enquete feita pela revista, sobre a relação dos atores com a palavra.
Já para Marcelo Duarte, autor dos livros da série Guia dos Curiosos (espécie de Bíblia nerd nos tempos pré-Google) a origem é literária. “Em 18 de junho de 1815, tropas inglesas derrotaram o exército francês, que foi intimado a se render em Waterloo, na Bélgica. O general inglês Colville ordenou: "Bravos franceses, rendam-se". Pierre Jacques Etienne, o Barão de Cambronne (1770-1842), ficou furioso e respondeu: "Merda! A guarda não se rende jamais!".A frase de Cambronne foi imortalizada no livro "Os Miseráveis", do escritor francês Victor Hugo, e virou uma exclamação usada sempre em situações difíceis e decisivas, logo incorporada pelos atores de teatro.” Guia dos Curiosos__ Língua Portuguesa, Panda Books.
Existe ainda uma versão menos heróica. A causa da expressão seria econômica. Na bélle epóque, muitas carruagens paradas na porta do teatro indicavam duas coisas. Calçadas sujas e bilheterias esgotadas. Quanto mais excremento mais sucesso. Simples, revelador e parecido com a explicação de Freud para a fase anal das crianças.
Se a simpatia pela “merda” é constante no universo do teatro, poucos levaram tão longe esse fascínio quanto o dramaturgo francês Antonin Artaud. O criador do Teatro da Crueldade, que abolia a supremacia da palavra e distância entre o ator e a plateia, via o ato de defecar como uma forma de purificar o corpo e atingir ao sagrado. “Onde cheira a merda, cheira a ser,” escreveu em “Para acabar com o julgamento de Deus.” Foi a senha para que o sentido literal atropelasse a metáfora, saindo dos bastidores para ocupar o centro do palco.
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A matéria está mto boa e interessante. No jornal, então, melhor ainda já que foi complementada com uma diagramação indescritível... Hahahha =**
ResponderExcluirto acompanhando.
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