segunda-feira, 19 de abril de 2010

O dia que eu deixei de ser ateu

Acordei no domingo repetindo a máxima, que durante a semana virara um mantra: “Não, se preocupe, porque nada vai dar certo”. Pensava em quais sutis crueldades o fatalismo me reservaria pra aquela tarde. Nós Botafoguenses, somos assim, nunca chegamos na Bossa Nova. Até hoje cantamos “ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de Baudelaire.” Aprendemos a viver no mundo, onde só há uma lei: a de Murphy.

O pessimismo me fez ignorar os sinais se perpetuando pelo universo. A Unidos da Tijuca e o time de vôlei, do Osasco, que padeciam de mal semelhante, haviam exorcizado seus fantasmas. 2010 são os 21 depois dos 21. O número predestinado a encerrar o trauma. Está aí o presságio do filme do Didi que não me deixa mentir. Desconfio até que aquele vulcão enlouquecendo da Islândia contém alguma mensagem cifrada.

Para cumprir a profecia é preciso um escolhido. Se eles tinham o Império, nós temos Loco Skywalker. Que dispensando a força, bateu o pênalti com o elemento que faltou ao Botafogo nas decisões passadas: o escárnio. O goleirinho deles viu a bola pousar cinicamente sobre as redes com a gentileza que ele desconhece. Talvez o moço tenha aprendido ali algo sobre um modo melhor de tratar suas mulheres. Talvez não.

Era o momento ideal para recuperar a fé perdida. Mas não. Em cada segundo do jogo um pensamento persistia: “alguma hora vai dar merda.” A ideiazinha maldita foi me abandonando aos poucos, depois do último apito do juiz. Aí veio uma euforia inédita, uma serenidade que eu não sabia que a vingança poderia trazer. Repassei os lances do jogo. Tudo que era adorno para tragédia ganhou um significado novo. A vida parecia fazer sentido. Sabe aquela piada do Woody Allen, “Por que Deus não dá uma prova da sua existência, como abrir uma conta em meu nome num banco suíço”. Foi mais ou menos por aí.

Nada mais que acontecer esse ano no esporte terá um efeito parecido. A Copa é um detalhe menor do ano em que eu vi o Botafogo superar o trauma do imponderável e se reconciliar com Deus. Feito Jó. Feito um Hamlet que deu certo. E se nas vitórias as citações ficam mais óbvias e o estilo mais besta, paciência. A gente se acostuma.

PS: Loco Skywalker e escárnio, tem um efeito mais bonito no texto, mas de todos os heróis do jogo, eu destacaria Jefferson. E ainda tem aquela história de que ele trabalhou num circo, quando menino. Azar do Fellini, que morreu sem conhecer o Botafogo.

2 comentários:

  1. Faltou citar a mandinga infalivel na hora do penalti do Adriano. Eu ainda acho que o Botafogo deve metade desse titulo a Joana.

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  2. Tem um fundo de verdade, mas botar isso ia ser muito complexo de vira latas. Mas acho que a torcida toda tem que comprar a Playboy dela como homenagem. Ah, saiu um texto sobre isso no Globo (de um flamenguista). O link é http://oglobo.globo.com/blogs/cuenca/
    Vê aí se esse supriu. Abraço.

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