O PT e a MTV são hábitos que uma vez adquiridos na infância tornam-se difíceis de abandonar na vida adulta. Além de conviver com seus defeitos, herdamos o ranço de superdimensioná-los. O que é normal ou padrão nos outros, neles soa como uma imperdoável traição a nossa ingenuidade. A metáfora política acaba nesse parágrafo mesmo, não precisa correr das próximas linhas. Daqui pra frente cada um decida por conta própria quem é o Delúbio do canal.
Começo pelo primeiro pí. Não lembro qual o programa, mas eram umas oito da noite. O apito de censura bastou pra eu começar com a nostalgia. Ah, o bem que fazia aos meus ouvidos infantis, os palavrões ouvidos com naturalidade pela tarde, com hambúrguer de frango e guaraná. Era Beavis e Butt head, o Gordo num iglu quebrando os CDs, até aquele programa de debates da Soninha. (Hoje o Gordo trabalha pro Bispo Macedo e a Soninha pro Kassab. Pelo menos no Beavis e Butt head a gente pode confiar, nem tudo está perdido nesse mundo).
Só que há coisas piores que o moralismo súbito. Os reality shows da MTV gringa fazem o pessoal do Big Brother parecer gente boa. Tem um inacreditável que são uns meninos mostrando a mansão da família. Ilha de Caras perde. A programação nacional também não anda lá essas coisas. De quem foi à idéia do Lobão reencarnado no papel de Caetano Velloso? Tudo bem o sujeito querer fazer um programa polêmico-pretensioso, mas ele não devia pelo menos uma vez chamar um convidado que discordasse dele? O programa de humor improvisado lembra muito os exercícios de uma aula de teatro, o que não é bem o que a maior parte das pessoas classificaria como engraçado.
Há também os programas feitos pra galera de colégio. Sei que eu não devia dar palpite nisso, mas sou um sujeito que se preocupa com as novas gerações. Acho que a banda que você escuta com 12 anos vai ter muita influência na sua vida. No meu caso era Raimundos. Garanto que ouvir “Puteiro em João Pessoa” é muito melhor pra cabeça de um moleque do que o que essas versões encarnadas do “The Mommy's Boys” disseminam por aí.
Não que eu seja do tipo saudosista, acho que a proporção de bandas ruins, hoje, é mais ou menos parecida com a do fim dos anos 90. Só que no lugar das gostosas de shortinho entraram caras de franjinha. O que torna o mundo um lugar pior pra se viver.
Pra não dizer que eu só falo mal das coisas, o Top Top, continua um programa bom, embora vez ou outra eu tenha a impressão de estar vendo uma reprise. O Furo MTV é engraçado, mas não tanto pra durar meia hora. O Comédia às vezes tem bons momentos, como o da torcida acompanhando o café do Túlio Maravilha. O do Didi tem uma cara-de-pau massa, e é um programa que não se leva a sério, o que já é bastante. E o Cazé continua mantendo o espírito das antigas. É o Eduardo Suplicy do canal. Ah, e é impossível não se apaixonar pela Titi, após dois minutos olhando a ruiva na solidão da hora do almoço.
sábado, 24 de abril de 2010
segunda-feira, 19 de abril de 2010
O dia que eu deixei de ser ateu
Acordei no domingo repetindo a máxima, que durante a semana virara um mantra: “Não, se preocupe, porque nada vai dar certo”. Pensava em quais sutis crueldades o fatalismo me reservaria pra aquela tarde. Nós Botafoguenses, somos assim, nunca chegamos na Bossa Nova. Até hoje cantamos “ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de Baudelaire.” Aprendemos a viver no mundo, onde só há uma lei: a de Murphy.
O pessimismo me fez ignorar os sinais se perpetuando pelo universo. A Unidos da Tijuca e o time de vôlei, do Osasco, que padeciam de mal semelhante, haviam exorcizado seus fantasmas. 2010 são os 21 depois dos 21. O número predestinado a encerrar o trauma. Está aí o presságio do filme do Didi que não me deixa mentir. Desconfio até que aquele vulcão enlouquecendo da Islândia contém alguma mensagem cifrada.
Para cumprir a profecia é preciso um escolhido. Se eles tinham o Império, nós temos Loco Skywalker. Que dispensando a força, bateu o pênalti com o elemento que faltou ao Botafogo nas decisões passadas: o escárnio. O goleirinho deles viu a bola pousar cinicamente sobre as redes com a gentileza que ele desconhece. Talvez o moço tenha aprendido ali algo sobre um modo melhor de tratar suas mulheres. Talvez não.
Era o momento ideal para recuperar a fé perdida. Mas não. Em cada segundo do jogo um pensamento persistia: “alguma hora vai dar merda.” A ideiazinha maldita foi me abandonando aos poucos, depois do último apito do juiz. Aí veio uma euforia inédita, uma serenidade que eu não sabia que a vingança poderia trazer. Repassei os lances do jogo. Tudo que era adorno para tragédia ganhou um significado novo. A vida parecia fazer sentido. Sabe aquela piada do Woody Allen, “Por que Deus não dá uma prova da sua existência, como abrir uma conta em meu nome num banco suíço”. Foi mais ou menos por aí.
Nada mais que acontecer esse ano no esporte terá um efeito parecido. A Copa é um detalhe menor do ano em que eu vi o Botafogo superar o trauma do imponderável e se reconciliar com Deus. Feito Jó. Feito um Hamlet que deu certo. E se nas vitórias as citações ficam mais óbvias e o estilo mais besta, paciência. A gente se acostuma.
PS: Loco Skywalker e escárnio, tem um efeito mais bonito no texto, mas de todos os heróis do jogo, eu destacaria Jefferson. E ainda tem aquela história de que ele trabalhou num circo, quando menino. Azar do Fellini, que morreu sem conhecer o Botafogo.
O pessimismo me fez ignorar os sinais se perpetuando pelo universo. A Unidos da Tijuca e o time de vôlei, do Osasco, que padeciam de mal semelhante, haviam exorcizado seus fantasmas. 2010 são os 21 depois dos 21. O número predestinado a encerrar o trauma. Está aí o presságio do filme do Didi que não me deixa mentir. Desconfio até que aquele vulcão enlouquecendo da Islândia contém alguma mensagem cifrada.
Para cumprir a profecia é preciso um escolhido. Se eles tinham o Império, nós temos Loco Skywalker. Que dispensando a força, bateu o pênalti com o elemento que faltou ao Botafogo nas decisões passadas: o escárnio. O goleirinho deles viu a bola pousar cinicamente sobre as redes com a gentileza que ele desconhece. Talvez o moço tenha aprendido ali algo sobre um modo melhor de tratar suas mulheres. Talvez não.
Era o momento ideal para recuperar a fé perdida. Mas não. Em cada segundo do jogo um pensamento persistia: “alguma hora vai dar merda.” A ideiazinha maldita foi me abandonando aos poucos, depois do último apito do juiz. Aí veio uma euforia inédita, uma serenidade que eu não sabia que a vingança poderia trazer. Repassei os lances do jogo. Tudo que era adorno para tragédia ganhou um significado novo. A vida parecia fazer sentido. Sabe aquela piada do Woody Allen, “Por que Deus não dá uma prova da sua existência, como abrir uma conta em meu nome num banco suíço”. Foi mais ou menos por aí.
Nada mais que acontecer esse ano no esporte terá um efeito parecido. A Copa é um detalhe menor do ano em que eu vi o Botafogo superar o trauma do imponderável e se reconciliar com Deus. Feito Jó. Feito um Hamlet que deu certo. E se nas vitórias as citações ficam mais óbvias e o estilo mais besta, paciência. A gente se acostuma.
PS: Loco Skywalker e escárnio, tem um efeito mais bonito no texto, mas de todos os heróis do jogo, eu destacaria Jefferson. E ainda tem aquela história de que ele trabalhou num circo, quando menino. Azar do Fellini, que morreu sem conhecer o Botafogo.
domingo, 11 de abril de 2010
Bastidores do Mundinho Literário
Nota do Editor do Blog: O nosso amigo Austregésilo mandou seu manifesto na véspera do último Natal, infelizmente devido a problemas postais só o recebemos em data próxima ao Carnaval. Lido na quaresma, decidimos aguardar até o Natal deste ano, ou uma data equivalente em outra cultura para sua publicação. Chegamos a considerar a Páscoa como momento apropriado, decisão descartada pela obviedade da piada. Mas para o Austregésilo deixar de torrar nossa paciência o texto vai agora mesmo. Divirtam-se.
Campanha: Pelo Natal do Escritor Feliz
Amigos, foi-se o tempo em que os livros estavam ausentes das listas de presentes e dos amigo-ocultos nas festas de Natal das famílias, firmas, clubes, ou qualquer outro lugar em que as pessoas se reúnem pra encher a cara de cidra e comer aquele frango transgênico com farofa e salpicão.
Sua tia, sua avó, seu chefe, seu cunhado, até mesmo aquela recepcionista extremamente gostosa (e que acha que Vinícius de Morais é o autor daquelas novelas passadas no Leblon) encontraram, entre seus desejos de consumo de fim de ano, um lugar para os livros, ali pertinho do reservado para a chapinha de cabelos, o grill do George Foreman e o CD do Roberto Carlos.
Era de se esperar que com esse surto bibliófilo os escritores tenham melhorado de vida ao menos o suficiente para que sua alimentação deixe de depender exclusivamente dos almoços com os editores e dos canapés das noites de autógrafos.
Ledo engano. Continuamos sem ter algum nem para os fios de ovos que adornam o tender, tendo que recorrer a meios vulgares de sobrevivência e até mesmo arrumar um emprego em casos extremos de penúria pecuniária (perdão, vez ou outra tenho recaídas no meu velho vício de aliterações).
“Pobres fatos, não se cansam de seus truques.” Assim diria um velho colega meu, ex-poeta concreto flertando com a realidade. Procuram-se livros escritos por todo tipo de gente: padre, pastor, defunto, ex-gordinho, ex-celebridade, ex-prostituta, ex-deputado. Todos vendem, com exceção de nós, escritores de ofício e vocação.
Amigos isto é uma indignidade que já não pode mais prosseguir. Por acaso nós bulimos com a profissão dos outros? (Tudo bem, o Moacyr é exceção, mas mesmo ele parou de clinicar depois que uma paciente reclamou da falta de coesão de uma de suas receitas). Ora senhores padres, por que não se contentam com o descomunal sucesso editorial da Bíblia? Para que se meter a fazer outros livros, até ontem isso não era heresia, meu Deus? Imagino a cara que fariam os senhores, se nós resolvêssemos sair por aí a rezar missas e distribuir exorcismos e extrema-unções.
Senhoras putas, após tão importantes serviços prestados à literatura universal, por que apagar as manchas de amor dos lençóis da história, fazendo suas próprias confissões sexuais venderem muito mais que as nossas. Senhores espíritos de luz, se não publicaram em vida, por que fazê-lo em morte, quando já não podeis mais desfrutar dos direitos autorais e das universitárias mais belas e faceiras a cada lançamento. Sejam camaradas, ó gasparzinhos, contentem-se em puxar nossos pés e parem de puxar nossos tapetes.
Austregésilo de Almeida é escritor premiado, traduzido em 17 idiomas e está com os exemplares de seu último livro, encalhados desde o natal de 88.
Campanha: Pelo Natal do Escritor Feliz
Amigos, foi-se o tempo em que os livros estavam ausentes das listas de presentes e dos amigo-ocultos nas festas de Natal das famílias, firmas, clubes, ou qualquer outro lugar em que as pessoas se reúnem pra encher a cara de cidra e comer aquele frango transgênico com farofa e salpicão.
Sua tia, sua avó, seu chefe, seu cunhado, até mesmo aquela recepcionista extremamente gostosa (e que acha que Vinícius de Morais é o autor daquelas novelas passadas no Leblon) encontraram, entre seus desejos de consumo de fim de ano, um lugar para os livros, ali pertinho do reservado para a chapinha de cabelos, o grill do George Foreman e o CD do Roberto Carlos.
Era de se esperar que com esse surto bibliófilo os escritores tenham melhorado de vida ao menos o suficiente para que sua alimentação deixe de depender exclusivamente dos almoços com os editores e dos canapés das noites de autógrafos.
Ledo engano. Continuamos sem ter algum nem para os fios de ovos que adornam o tender, tendo que recorrer a meios vulgares de sobrevivência e até mesmo arrumar um emprego em casos extremos de penúria pecuniária (perdão, vez ou outra tenho recaídas no meu velho vício de aliterações).
“Pobres fatos, não se cansam de seus truques.” Assim diria um velho colega meu, ex-poeta concreto flertando com a realidade. Procuram-se livros escritos por todo tipo de gente: padre, pastor, defunto, ex-gordinho, ex-celebridade, ex-prostituta, ex-deputado. Todos vendem, com exceção de nós, escritores de ofício e vocação.
Amigos isto é uma indignidade que já não pode mais prosseguir. Por acaso nós bulimos com a profissão dos outros? (Tudo bem, o Moacyr é exceção, mas mesmo ele parou de clinicar depois que uma paciente reclamou da falta de coesão de uma de suas receitas). Ora senhores padres, por que não se contentam com o descomunal sucesso editorial da Bíblia? Para que se meter a fazer outros livros, até ontem isso não era heresia, meu Deus? Imagino a cara que fariam os senhores, se nós resolvêssemos sair por aí a rezar missas e distribuir exorcismos e extrema-unções.
Senhoras putas, após tão importantes serviços prestados à literatura universal, por que apagar as manchas de amor dos lençóis da história, fazendo suas próprias confissões sexuais venderem muito mais que as nossas. Senhores espíritos de luz, se não publicaram em vida, por que fazê-lo em morte, quando já não podeis mais desfrutar dos direitos autorais e das universitárias mais belas e faceiras a cada lançamento. Sejam camaradas, ó gasparzinhos, contentem-se em puxar nossos pés e parem de puxar nossos tapetes.
Austregésilo de Almeida é escritor premiado, traduzido em 17 idiomas e está com os exemplares de seu último livro, encalhados desde o natal de 88.
domingo, 4 de abril de 2010
Folga do ócio
(Matéria minha que saiu no Jornal de Teatro de março.)
As visões de mundo mais cínicas costumam gerar alguma frase charmosa para ser usada nos momentos de síntese. A citação mais famosa dessa faceta do jornalismo foi pronunciada no faroeste “O Homem que Matou o Facínora”, de John Ford. No filme, o repórter Maxwell Scott, resumia assim sua filosofia profissional. “Se a lenda for maior que o fato, publique a lenda”. Mr. Scott radiaria de felicidade ao receber essa pauta, sobre como “merda” tornou-se a coisa certa a ser dita nos momentos que antecedem uma peça. Palpites e lendas prevalecem onde a certeza já não existe.
Mas primeiro, vamos aos fatos. Um dos pontos em comum do teatro em diversas culturas é a superstição. Nessa lógica nada poderia ser menos digno de sorte do que o simples desejar de boa sorte, frase tida como maldita para atores e diretores de todo o mundo. Era necessária uma outra sentença, um código próprio ao espaço teatral. A palavra mérde começou a ficar popular nas coxias da França a partir do século XIX.
Aí começam as divergências. Há inúmeras versões para o acontecido, cada qual com seu nexo próprio. Uns vão pelo caminho mais simples, o da dialética. Se boa sorte dá azar, logo é preciso desejar algo muito ruim para garantir que tudo corra bem. E o que pode ser pior que... Bem, já deu pra entender.
Outros repudiam esse racionalismo extremado e buscam sua resposta numa fábula singela. Um ator iniciante se preparava para a mais importante apresentação de sua carreira, com a presença dos críticos mais conceituados da cidade. Ansioso, o pobre rapaz errou o caminho, foi assaltado, deparou-se com um incêndio e quando finalmente chegou ao teatro, pisou nas fezes que um cachorrinho deixou por ali. Abriu a porta gritando um dos nomes daquilo que emporcalhara seu sapato. Pouco depois, subiu ao palco e consagrou-se com a melhor atuação de sua vida. Essa é a explicação predileta da atriz Guta Stresser, que contou o fato à TPM, respondendo uma enquete feita pela revista, sobre a relação dos atores com a palavra.
Já para Marcelo Duarte, autor dos livros da série Guia dos Curiosos (espécie de Bíblia nerd nos tempos pré-Google) a origem é literária. “Em 18 de junho de 1815, tropas inglesas derrotaram o exército francês, que foi intimado a se render em Waterloo, na Bélgica. O general inglês Colville ordenou: "Bravos franceses, rendam-se". Pierre Jacques Etienne, o Barão de Cambronne (1770-1842), ficou furioso e respondeu: "Merda! A guarda não se rende jamais!".A frase de Cambronne foi imortalizada no livro "Os Miseráveis", do escritor francês Victor Hugo, e virou uma exclamação usada sempre em situações difíceis e decisivas, logo incorporada pelos atores de teatro.” Guia dos Curiosos__ Língua Portuguesa, Panda Books.
Existe ainda uma versão menos heróica. A causa da expressão seria econômica. Na bélle epóque, muitas carruagens paradas na porta do teatro indicavam duas coisas. Calçadas sujas e bilheterias esgotadas. Quanto mais excremento mais sucesso. Simples, revelador e parecido com a explicação de Freud para a fase anal das crianças.
Se a simpatia pela “merda” é constante no universo do teatro, poucos levaram tão longe esse fascínio quanto o dramaturgo francês Antonin Artaud. O criador do Teatro da Crueldade, que abolia a supremacia da palavra e distância entre o ator e a plateia, via o ato de defecar como uma forma de purificar o corpo e atingir ao sagrado. “Onde cheira a merda, cheira a ser,” escreveu em “Para acabar com o julgamento de Deus.” Foi a senha para que o sentido literal atropelasse a metáfora, saindo dos bastidores para ocupar o centro do palco.
As visões de mundo mais cínicas costumam gerar alguma frase charmosa para ser usada nos momentos de síntese. A citação mais famosa dessa faceta do jornalismo foi pronunciada no faroeste “O Homem que Matou o Facínora”, de John Ford. No filme, o repórter Maxwell Scott, resumia assim sua filosofia profissional. “Se a lenda for maior que o fato, publique a lenda”. Mr. Scott radiaria de felicidade ao receber essa pauta, sobre como “merda” tornou-se a coisa certa a ser dita nos momentos que antecedem uma peça. Palpites e lendas prevalecem onde a certeza já não existe.
Mas primeiro, vamos aos fatos. Um dos pontos em comum do teatro em diversas culturas é a superstição. Nessa lógica nada poderia ser menos digno de sorte do que o simples desejar de boa sorte, frase tida como maldita para atores e diretores de todo o mundo. Era necessária uma outra sentença, um código próprio ao espaço teatral. A palavra mérde começou a ficar popular nas coxias da França a partir do século XIX.
Aí começam as divergências. Há inúmeras versões para o acontecido, cada qual com seu nexo próprio. Uns vão pelo caminho mais simples, o da dialética. Se boa sorte dá azar, logo é preciso desejar algo muito ruim para garantir que tudo corra bem. E o que pode ser pior que... Bem, já deu pra entender.
Outros repudiam esse racionalismo extremado e buscam sua resposta numa fábula singela. Um ator iniciante se preparava para a mais importante apresentação de sua carreira, com a presença dos críticos mais conceituados da cidade. Ansioso, o pobre rapaz errou o caminho, foi assaltado, deparou-se com um incêndio e quando finalmente chegou ao teatro, pisou nas fezes que um cachorrinho deixou por ali. Abriu a porta gritando um dos nomes daquilo que emporcalhara seu sapato. Pouco depois, subiu ao palco e consagrou-se com a melhor atuação de sua vida. Essa é a explicação predileta da atriz Guta Stresser, que contou o fato à TPM, respondendo uma enquete feita pela revista, sobre a relação dos atores com a palavra.
Já para Marcelo Duarte, autor dos livros da série Guia dos Curiosos (espécie de Bíblia nerd nos tempos pré-Google) a origem é literária. “Em 18 de junho de 1815, tropas inglesas derrotaram o exército francês, que foi intimado a se render em Waterloo, na Bélgica. O general inglês Colville ordenou: "Bravos franceses, rendam-se". Pierre Jacques Etienne, o Barão de Cambronne (1770-1842), ficou furioso e respondeu: "Merda! A guarda não se rende jamais!".A frase de Cambronne foi imortalizada no livro "Os Miseráveis", do escritor francês Victor Hugo, e virou uma exclamação usada sempre em situações difíceis e decisivas, logo incorporada pelos atores de teatro.” Guia dos Curiosos__ Língua Portuguesa, Panda Books.
Existe ainda uma versão menos heróica. A causa da expressão seria econômica. Na bélle epóque, muitas carruagens paradas na porta do teatro indicavam duas coisas. Calçadas sujas e bilheterias esgotadas. Quanto mais excremento mais sucesso. Simples, revelador e parecido com a explicação de Freud para a fase anal das crianças.
Se a simpatia pela “merda” é constante no universo do teatro, poucos levaram tão longe esse fascínio quanto o dramaturgo francês Antonin Artaud. O criador do Teatro da Crueldade, que abolia a supremacia da palavra e distância entre o ator e a plateia, via o ato de defecar como uma forma de purificar o corpo e atingir ao sagrado. “Onde cheira a merda, cheira a ser,” escreveu em “Para acabar com o julgamento de Deus.” Foi a senha para que o sentido literal atropelasse a metáfora, saindo dos bastidores para ocupar o centro do palco.
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