sexta-feira, 26 de março de 2010

Consultório Sentimental do Doutor Caligari

Prezado Doutor Odvan Caligari,

No começo eu até achava bom, era primavera e a gente ia do leme ao pontal pra ver o azul da cor do mar. Bastava ele sussurrar um “você é algo assim, é tudo pra mim, é como eu sonhava baby” que eu já acendia os faróis. O sexo era uma delícia, um vale o que vier, vale o que quiser. O único problema era que ele reclamava muito, ficava o tempo todo dizendo “vamo lá”, “mais retorno”, “cadê o eco”. Teve um dia que ele chegou ao cúmulo de dizer que meu orgasmo era muito agudo, posso com isso? Outra coisa que me irritava, logo antes de gozar ele gritava sempre “olha o breque”. Era horrível, eu perdia totalmente a concentração. Com o tempo as coisas só foram piorando, o safado deu pra trocar meu nome. Me chamava de Cristina, de Jurema, de Juliana. Largou o emprego no dia de santos Reis. Reclamei, ele mandou não amolar, só queria sossego. Nosso apartamento virou um pedaço de Saigon e sem a luz néon, que o bandido deixou de pagar a conta. Agora, o doido só anda de branco, vive num papo de Manuel, de imunização, de glândula não sei o que. Fica enchendo meu saco pra eu ler “O Universo em Desencarno”, “Universo em Desembarque”, um troço desses. E ainda quer trazer um tal de Grão mestre varonil pra morar aqui em casa.. Puxa, doutor, sabe quando alguém que a gente ama vacila e põe tudo a perder? Só o senhor pode me ajudar, o que eu faço?

Vitória Régia, Méier, Rio de Janeiro-RJ

Caríssima senhora Vitória Régia,

Em minha vasta experiência clínica tive a oportunidade de presenciar inúmeros casos semelhantes ao de seu cônjuge. Todos tiveram fim trágico, coisa de suicídio, cadeia, hospício ou fuga com o filho do porteiro. Vou lhe apresentar alguns possíveis diagnósticos baseados em sua zelosa e precisa descrição dos sintomas. A propósito, cara Vitória Régia, já pensou em seguir a carreira médica? Percebi nessa sua carta uma vocação inata, um talento incrível, coisa rara. Quando você precisar de uma oportunidade já sabe a quem recorrer. Mas voltando aquele nosso outro assunto, a possibilidade mais concreta é que o seu esposo tenha desenvolvido um transtorno bipolar de personalidade, com tiques de esquizofrenia e deliriuns tremens. Em linguagem corrente despirocou, ficou lelé, tá jogando pedra em avião. Nesse caso, doce Vitória, o tratamento é penoso, caro, ingrato e a cura mais do que incerta é altamente improvável. Porém como diria o imortal Willian Shakespeare, há mais coisas entre o céu e a terra do que... do que su... Bem, não é hora pra citações mesmo. O fato é que não devemos nos limitar aos caminhos da ciência. O seu marido pode estar é com um encosto dos bravos. Aí, o buraco é mais embaixo, prepare-se para gastar tempo e dinheiro com oferendas complicadíssimas, cerimônias de exorcismo, pentagramas, pajelanças, rituais de sacrifício. Sem falar que não é muito aconselhável mexer com essas coisas, vai que o encosto é vingativo, as conseqüências podem ser terríveis. Mas não devemos ainda excluir nenhuma das esferas da questão, inclusive a jurídica. O moço pode estar fingindo insanidade pra te extorquir uma pensão vitalícia num processo de divórcio. Eu sei, é sórdido, é abjeto, mas é muito mais comum do que a gente imagina. De todo modo, para poder determinar em quais desses casos seu marido se encaixa, nós teríamos que conversar melhor. Talvez você pudesse dar um pulinho no meu consultório, aqui perto tem um restaurante tailandês ótimo e um cineminha super aconchegante. Aí quem sabe você esquece de vez esse traste que já te deu motivo pra ir embora e começa a pensar mais em você. Vai te fazer bem, buscar novas e agradáveis experiências, como por exemplo sentir o toque másculo de uma luva cirúrgica pelo seu corpo ou conhecer as deliciosas combinações de éter e chantili. Estou te esperando, Vivi. Um beijo.

Vanzão

(Doutor Odvan Caligari é o Nelson Motta da psiquiatria brasileira)

sábado, 20 de março de 2010

Bombril na Antena

Nesses tempos chatos de planejamento de mídia e diretores de criação parece impossível encontrar algum programa de televisão onde tudo é aleatório. Não do tipo “aleatório experimental”, ou “vamos entrar na moda trash”, mas simplesmente aleatório aleatório, sem sentido e sem intenção de ser assim. A pérola existe e tem o nome de Brothers, o programa dos irmãos Suplicy na Rede TV.

Pequeno aperitivo das atrações: Uma criança de terno explica os terremotos do Chile e do Haiti, um ator imita um esquizofrênico se estapeando num ponto de ônibus, um repórter com uma camisa florida faz uma matéria sobre assédio sexual na... Risadaria (espécie de FLIP para humoristas que acontece nesse fim de semana em São Paulo).

Supla apresentando é o Supla de sempre com seus “yo papito” e “c`mon kids”. Já seu irmão João herdou a malemolência e a animação do pai Eduardo, que encanta o Senado brasileiro com seus monólogos e números musicais. (Aliás, seu Suplicy merecia um quadro próprio no programa.) Além de chamar as matérias, interagir com a platéia e fazer merchandising a dupla ainda toca o que der na telha. Nada muito extravagante, Beatles ou Jorge Ben Jor.

Mas tem umas assistentes de palco bem gostosas com roupinha de couro e patins. Minha favorita é uma das recém contratadas. Moça atípica no ramo, magrelinha e de rostinho angelical, não tem muita paciência para as coreografias nem tino para o improviso. Quando é focalizada durante alguma música limita-se a balançar os bracinhos com a graça inata das meninas que dispensam essa coisinha previsível chamada ritmo. Minimalista e irresistível.

Se é a experiência mais radical de nonsense da televisão brasileira, uma versão dadaísta do Caldeirão do Hulk, ou se os irmãos compraram esse horário na Rede TV pra tirar uma onda, eu não sei nem arrisco palpite. Só sei que se sua ressaca de sexta feira durar até as seis da tarde do sábado pode valer a pena.

PS: O texto aí vai pro João que ajudou a garimpar essa maravilha.

quarta-feira, 17 de março de 2010

terça-feira, 9 de março de 2010

Bastidores do Mundinho Literário

Tudo nos conformes durante o lançamento do novo livro do poeta Paulinho Bic de Ouro: “Glosando o Gozo”(169 pág., edição do autor). Fãs, amigos de longa data e curiosos em geral aglomeraram-se nas mesas do Café da Rua 8, na 408 Norte, em ávida disputa pela batida de caju e pelos bolinhos de aimpim com carne seca, especialidade da mãe do autor. Dezessete exemplares foram vendidos, segundo estimativas da orgulhosa genitora.

A simpática senhora não quis se pronunciar a respeito da nova obra de Paulinho. Seu exemplo não foi seguido pelos integrantes da fila de autógrafos, que prevenidos, trouxeram de casa seus comentários. “Melhor que a mulher só a mulher”, disse Tico Blue, poeta concreto, parafraseando Neguinho da Beija Flor. “É a curva da Catedral, a umidade do Paranoá e a solidão das entrequadras no corpo da mulher amada”, anunciava o onipresente Nicolas Behr. “A criação poética sempre uma forma velada de masturbação, Bic de Ouro dispensa as metáforas e o jogo lírico jorra sem culpa”, opina Max Guimarães, aluno do segundo semestre do curso de Letras da UnB.

Longe dos gravadores e bloquinhos de anotações uma polêmica de menor escala corria à boca pequena pelas mesas dos literatos. “Glosando o Gozo” seria uma tentativa desesperada do poeta renovar seu público e recuperar seu prestígio com as incautas da linguística, após o fracasso de sua última publicação “Tucano na Cut”, um estudo de palíndromos sobre o sindicato dos servidores da prefeitura de Unaí. “Ele esnobou grandes musas do nosso tempo como Sandra Breyer, Adele Fátima e Regina Casé para concentrar-se nas moças do presente,” revela um amigo de infância de Paulinho que preferiu não se identificar. Uma releitura do poema “Jogos Frutais”, de João Cabral de Mello Neto, ocupa quase a metade do livro.

Questionado sobre o assunto, Paulinho Bic de Ouro não confirma nem desmente. Completa a dedicatória, dá um efusivo abraço no repórter e recita trechos de sua nova obra, escolhidos ao acaso. A poesia carrega em si suas respostas, mesmo que às vezes elas venham acompanhadas por gotículas de cuspe.

“Chateaubriand, Parmegiana, Osvaldo Aranha
Que receita se dá com essa pequena
Única dona de exuberância tamanha
Flor do estupor da Carne Morena”

(Trecho de Soneto à Mulher filé)

“Ai como ia ser bom
Ser só um ácaro no seu edredom
Tocar a bundinha na telinha
Fazer carne o que é cristal
Pra manter nossa insana paixão
Perco a dignidade, a razão
Aturo até o Pedro Bial”

(Trecho de Ode Espiadinha)

“Quando o vento sopra
a mata densa revela seu tesouro
Cachos a serem regados”

(Haikai para Cláudia Ohana)

Pequenas questões da humanidade

Seria Lobão o novo Jabor?