__Não posso comer massa a noite, Everaldo. Nossa, teve uma vez que tinha sobrado um macarrãozinho na geladeira. Sabe aquela coisa que parece inofensiva, fui lá e comi. Everaldo, no dia seguinte, foi um Deus nos acuda, tome sal de fruta e eparema. Olha, eu só estou comendo essa pizza hoje por que...
__Sabe outra coisa que eu não me dou bem? Feijão. Nenhum deles, com o preto, o mulatinho, aquele mais roxinho, como chama mesmo? Você sabia que existe mais de vinte tipos de feijão, Everaldo? É, pois é...
__E aquelas comidas nordestinas. Buchada de bode, sarapatel. Como é que faz sarapatel, hein Everaldo? Ah, é isso? Leva sangue, né? Então não posso nem olhar. Mas eu não fui sempre assim não. Minha mãe dizia, que quando a gente era pequena, cortava o fígado bem cortadinho e botava na sopa. Eu e minhas irmãs adorávamos, depois de grande, ficou tudo fresca.
__ Everaldo, uma vez meu pai chegou em casa com uma jaca, mas sabe aquelas jacas enormes e bem verdes...
Balcão de pizzaria, Voluntários da Pátria, Botafogo
Não eram frases de uma senhorinha solitária ou de uma bêbada maluca. A moça tomava Coca Cola Zero e tinha uns quarentinha de professora de ioga. Um tipo que seria encarnado bem pela Fernanda Torres, ou, numa opção mais econômica, pela Maria Clara Gueiros.
É fácil entender a tradição de humoristas daqui, do Max Nunes ao Cláudio Paiva. Tinha uma esquete pronta a poucos metros de casa. Até o jeito que ela falava Everaldo (cada um imagine o seu, não sei fazer reprodução gráfica) era um bordão perfeito. Tá certo, que nesse caso o nome contribui, tente falar Everaldo de um jeito não engraçado.
O nonsense é outra vantagem de ter o Rio de cenário. Dois personagens não precisam de motivação alguma pra começar a conversar (tá dando mole, Woody Allen). Eu só fui falar com Everaldo pra pedir um desconto no refrigerante. Recebi a negativa e comi minha pizza de alicci, a seco e quieto. Já a moça emendava o relato da sua atividade gástrica com qualquer coisa que lhe desse na telha. Não recebia respostas, mas recebia atenção. Fez seu monólogo e foi embora. Sabe-se lá como os psicanalistas sobrevivem na cidade, com tanta gente pra fazer o trabalho deles.
É uma situação nada original de um comportamento expansivo que os gringos atribuem a todos nós, e que nós deixamos por conta de alguns estados (Rio, Bahia, etc). Só parei pra pensar nisso, porque vi algum grau de solidão na necessidade da moça em fazer confissões estomacais para o balconista. Não sei quanto, certamente menos do que ficar de butuca na conversa dos outros, anotando mentalmente as frases. Não é não, Everaldo?
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O carioca tem na informalidade o excesso. Deveria ir mais vezes à Minas ou Goiás pra se purificar.
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