terça-feira, 22 de novembro de 2011

Vão



Dá para comprar aqui.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Bombril na Antena

Das seções do blog, essa é mais fácil de fazer e a que teve maior ausência, mais ou menos uns 15 meses. Desses uns 10 foram por preguiça, mas pelo menos 5 justificam-se por eu não ter assistido televisão, contando os 2 meses da viagem, mais uns 3 que eu fiquei enrolando pra botar TV aqui em casa. Como no prédio novo não rola antena coletiva, o limite para a busca incessante pela fina flor da televisão brasileira muda para o pacote basicão da SKY.

Zapear ali tem uma ponta de crueldade, já que graças ao guia da programação você pode descobrir tudo aquilo que poderia ver se fosse menos pão duro. Mas tudo parece melhor quando você para no Sesc TV e encontra... Marina Person. O que a musa da minha pré-adolescência estaria fazendo ali? Apresentando um programa de calouros.

Mas nada é assim tão simples nesse simpático canal, uma espécie refúgio da porção do audiovisual paulista que é excêntrica demais para a TV Cultura. Os calouros eram performers e artistas plásticos e os jurados: curadores e marchands. Tirando por esse detalhe o “Art Idol” funcionava seguindo as tradições de seus semelhantes: de Silvio Santos ao Raul Gil. Cada artista escolhia uma performance famosa, apresentava sua versão e era submetido às impiedosas avaliações do júri.

O início não foi lá muito animador. Um casal resolveu apresentar a performance do AH. Eles ficavam um diante do outro e AHH... Igual naquela antiga propaganda de creme dental ou em aquecimento de voz em aula de teatro. O veredicto dos jurados foi unânime e condizente com a reação da plateia. “Muito ruim, mais muito ruim mesmo”, disparou um dos figurões que já havia se apresentado dizendo que “esse negócio da arte querer se apropriar da mídia é muito anos 80”.

Em seguida apareceu um careca querendo cobrar um real por um beijo de língua. O programa informa que a ideia original veio da França, em 1976 quando uma moça chamada Orlan fez o mesmo em frente a uma feira de arte. Nenhuma palavra sobre as tradicionais barraquinhas de beijo que há décadas fazem a alegria em inúmeras quermesses Brasil afora. Muito me entristece tamanho desprezo pela cultura nacional.

O careca empolgou pouca gente, uma moça, uma senhora e um tio barbudo com pinta de pai do Marcelo Camelo. “A libido do paulista já é meio baixa, se ainda fosse em Salvador, nos anos 80...” lamentou uma das juradas.

Julguei arriscada a escolha da próxima candidata: "Cut Piece" da Yoko Ono. Devia ser o equivalente a alguém chegar dizendo que vai cantar “Imagine”ou coisa parecida. Mas o público curtiu a ideia e desceu em peso pra poder cortar um pedaço do vestido branco da moça, que levou pouco menos de um minuto para desaparecer liberando a sua nudez.

Os jurados deliraram: uma resolveu misturar a cor branca do vestido com a origem judia da artista e concluiu que ali havia um “importante manifesto pela paz no Oriente Médio”, outro ressaltou o “poder surrealista do uso da escada”, uma observação que agradou profundamente seus pares. A moça ganhou, o programa terminou e eu continuei sem entender nada sobre o conceito de cover na arte contemporânea.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Diálogos de Bar

E o mundo fosse nosso outra vez...

(4 meninas, 1 telão improvisado, Baixo Botafogo)

__Ela não vai fazer isso, ih... já fez.
__Troféu joinha pra ela...
__Vocês são umas faladoras, se fosse o Tom Zé, que caísse de boca no coração de borracha com ketchup, todo mundo ia achar genial. Ela tá só tirando uma onda.
__É, sem queixa, deixa a Kes...
__Que foi isso?
__ Desculpa gente, eu sempre quis inventar um trava-língua. Não foi dessa vez.
__Não entendo porque importaram essa gringa. Se era pra botar uma mulher fazendo gracinha e cantando putaria, sou mais um mistão da Gaiola das Popozudas com a Tati Quebra Barraco. Ia ser bem mais barato e empolgar bem mais.
__Sem neurose!
__Aí, subiram uns dinossauros no palco agora...
__Ah melhorou... Isso dos dinossauros tá legal.
__O Asa de Águia fazia a mesma coisa... Que foi? Ó, férias de colégio na Bahia. O show era na praia de graça. Nem vem, vocês.
__Xô satanás! Xô satanás!
__Agora vem o que?
__Jamiroquai.
__Ié Ié, ah, ah.
...
__Ai, gente. Toda música deles tem um Ié, ié, ah, ah qualquer coisa. Eu ouvia com dez anos, não lembro das letras.
__Alguém aqui vai em algum dia?
__O problema pra mim, é que cada banda que eu queria assistir eles colocaram em um dia diferente. De repente se juntasse todas no mesmo dia, eu iria.
__Manda essa pra ideia pra 2013. Ia rolar o dia do pop, do metal, do indie e o dia Flávia. Olha que maravilha, o Roberto Medina ia amar.
__Eu ganhei um ingresso pra domingo, mas sei lá...
__Por que?
__Eu até iria pra ver o Tom Zé com os Mutantes, mas porra, é no dia do Gun´s
__Vai embora antes deles, é o último show.
__Ah, mas imagina daqui a dez anos, quando me perguntarem você foi no “Rock in Rio”? Eu repondo: “fui, no dia tal.” Aí a pessoa: “ah, sei, o dia do Gun´s”. Eu não quero ficar com essa marca pra minha vida, nunca!
__Eles nunca foram exatamente uma banda boa,mas dava pra entender quando chamaram em 91, até 2001, vá lá. Mas agora? Sem o Slash e com o Axel parecendo que vai ter um AVC a qualquer momento...
__Eu fiquei mais puta com as bandas que podiam ter chamado e não chamaram.
__É, podia vir o...

(Seguem vinte e cinco sugestões de bandas, cantores e instrumentistas variados)

__Eu já ficaria realizada se essa orquestra que inventaram pro Legião, tivesse feito um tributo ao Mamonas. Cento e vinte instrumentos e as meninas cantoras de Petrópolis só para o Sabão Crá-crá. Aí, sim ia ser rock...

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Os sonhos de Laurie

Enfrentar a escada em espiral do CCBB do Rio ao invés de pegar o elevador gera vantagens além das produzidas pelo exercício físico. Escolhendo esse caminho pude encontrar antes da exposição uma frase. Para ser mais exato, uma pergunta. “O que aconteceria se ao invés do ponto, houvesse um relógio mostrando quanto tempo se levou para aquela sentença ser escrita?”

Creio ser essa uma questão que interessa a todos aqueles que insistem em contar histórias. Laurie Anderson faz parte dessa patota. Pelo menos é o que diz o texto de apresentação da sua exposição “I in You” ou “Eu em Tu”, numa tradução meio caetana. Não é exatamente o que se espera ler quando se trata de uma artista plástica experimental. De vez em quando a vida traz umas surpresas legais.

A ausência de explicação é característica básica das narrativas. Ela estaria definhando pela necessidade crescente de explicação no mundo. Pelo menos foi o que Walter Benjamin disse lá no começo do século XX. Como é comum entre os pessimistas talentosos: vão previsões, ficam definições. E em se tratando de nada explicar a maneira mais eficiente de narrar, ainda é a primeira: o sonho.

E isso que “Eu em Tu” faz: contar sonhos. Primeiro através do sussurro. Encoste seu ouvido nas cores e espere. Talvez seja silêncio. Talvez uma história que você pega no meio. De repente uma frase te encontra. “Em meus sonhos, sou sua cliente.” Nesses tempos em que proliferam nos museus hologramas e luzinhas que reagem ao espectador através de complexos esquemas binários, Laurie Anderson faz da arte interativa algo mais simples e bonito: ouvir sonhos em uma pintura.

Em outra parte da exposição, fotos de Laurie sonhando. Sempre em lugares públicos. Registrou em anotações o efeito do ambiente na sua cabeça. Nuvens em um tribunal de júri, biblioteca com estantes vegetais no sofá do banheiro de um bar. Repare no caderninho jogado no canto, com o título “O Coelhinho Cinza”. Dentro dele uma internação de infância que vira fábula. Histórias são assim: “Cada vez que você conta esquece mais”.

Ao fim fica a agradável impressão que a instalação, feito qualquer outra forma de arte, é como tocar violão. Todo mundo pensa que sabe, mas não é em qualquer birosca que se encontra um Baden Powel.

terça-feira, 19 de julho de 2011

A gente sempre vai ter Paquetá

Não adianta procurar Odair Maracanã no Google. Esqueça o celular. Quanto ao endereço, o certo é sempre o da semana passada. Odair vive entre os chamados “Hotéis para solteiros”, do centro da cidade. Tem alguns bares de preferência. Talvez aquele boteco sem nome que fica numa rua vizinha da Praça Tiradentes, seja um deles. Lá ele não paga cerveja em dia de roda de samba. Muito justo. Dos que sobem no palquinho improvisado apenas Odair dispara inéditas ao microfone.

A gente sempre vai ter Paquetá

(Odair Maracanã/Malaquias)


Vem menina, vem cá
Volta pra cama já já
Diz que eu sou seu Humphrey Bogart
Deixa essa Paris pra lá
A gente sempre vai ter Paquetá
O tal do inevitável
Bem podia esperar
Feito os 5 minutos
Que usamos pra acordar
O meu amor não morre de inanição
O caso é sempre de execução
Por que não vem você
Botar uma UPP
No meu coração

O chapéu preto que usa à semelhança do ator e veterano de guerra norte-americano citado na canção destaca-se no meio do mar de panamás entre as cabeças da cidade. Não é tão mal humorado quanto dizem. Quando não enchem seu saco, o velhinho é até simpático. “Maracanã mesmo só eu, o estádio é Mário Filho.” Percebi que Odair terminava a segunda dose de cachaça. Achei o momento adequado pra conversar sobre o seu samba.

“Esse aí veio atrasado. Pelo menos uns trinta, quarenta anos. Acontece as vezes...” Na época da primeira estrofe, Maracanã namorava uma das musas de Sargentelli. “Sem a mulata, a vida é triste. Aquele filho da puta enchia a cabeça dela, com essa conversa de Paris, show no estrangeiro. E a coitadinha se impressionava até com Copacabana.”

Os primeiros versos vieram fáceis, redondinhos, então empacaram. “Não sabia o que botar depois de Paquetá. Como eu ia entregar um samba pela metade para um amor que era inteiro?” A moça saiu do Rio, fez carreira na Europa e nos Estados Unidos. Depois dizem até que voltou. Mas o samba ela não ouviu. E ninguém mais ouviria se não fosse por uma foliã, numa ensolarada segunda de Carnaval.

“Estava muito bem no “Já comi pior pagando” lá na Tijuca. De repente sinto um jato d´água no cocuruto. Viro e vejo uma menina toda graciosa, fantasiada de oficial do BOPE. Mandei ali mesmo: meu amor, vem botar uma UPP no meu coração. Ela sorriu e passou, seguindo o bloco. Na quarta-feira de cinzas chamei meu parceiro Malaquias. Em duas horas o samba ficou pronto. E olha que a gente estava de ressaca.”

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Crítica de cinema do Galvão

Bem amigos do cinema brasileiro. Podem falar que minha implicância é pelas copas de 86, 98 e 2006. Não ligo. Pra mim assistir filme francês é como ver um jogo de futebol com comentários interruptos do meu colega Casagrande. E que ainda termina em zero a zero. Por isso não entendo a razão daquele diretor velhinho, que anda custeando as férias da família em produções cinematográficas ter preferido Paris ao Rio.

Não nego que a cidade francesa tenha lá seus encantos, eu mesmo costumava dar uma esticada por lá, com uma patota da fórmula 1, Jean Todt, o Prost, o Piquet. Turminha boa, mas não se comparam aos meus amigos do Jobi. Ora, se era caso de filmar a cidade na chuva, porque Paris? Só por conta daquele para-raio gigante da Torre Eifel. Não era mais fácil botar umas câmeras na Praça da Bandeira, meu Deus?

E aquela onda toda de Paris é uma Festa. Os gauleses até empatam conosco no quesito escritores bêbados, mas em festa? Por acaso o Hemingway já saiu no Bola Preta? O Fitzgerald já se esbaldou numa feijoada da Tia Surica? A Gertrude Stein já desceu até o chão? Depois se era pra botar um monte de ator fazendo papel de intelectual, melhor fazer igual o Caetano no “Cinema Falado” e botar os próprios, economizando na grana do cachê.

Além de tudo o caso é de ingratidão. Afinal, sem Brasil não existiria Woody Allen. O ancião diretor não cansa de alardear por aí seu apreço por Machado de Assis. Mas o buraco do projetor é mais embaixo. Pergunte a qualquer fã desse senhor sobre seu filme favorito. Se o sujeito ao invés de bancar o esperto responder com sinceridade vai dizer: "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa", "Manhattan". Depois de responder a expressão do fã vai adquirindo nostalgia até explodir em pranto convulsivo. "Por que ele não faz mais filmes assim, meu Deus?"

Simples, porque ele não fazia sozinho. Seu auge só ocorreu com a parceria com Marshall Brickman. E advinhe onde nasceu Marshall? No Rio de Janeiro. Não é coincidência a semelhança dos filmes de Allen com a obra Domingos de Oliveira, único a conseguir fazer 150 longas apenas entre Ipanema e o Baixo Gávea. Em 68, Dominguinhos terminava o insuperável “Todas as mulheres do mundo”, com Lelilinha Diniz. E Woody Allen fazia o quê? Stand up comedy, em infectos bares no Brooklyn.

No mais, isso de fazer filme sobre uma cidade, também é coisa nossa. Pois enquanto Buñuel estava lá ocupado com olhos cortados, cães andaluzes e outras esquisitices, o grande Humberto Mauro finalizava seu “Sinfonia de Cataguases”, eternizando a aprazível cidade mineira na história do cinema mundial. E em termos de escolha de elenco francófono, ninguém supera Mário Peixoto. O gênio de Mangaratiba disse que só faria um segundo filme se fosse estrelado por Brigitte Bardot e Roberto Carlos. Pena que na época, a Petrobrás andava mal das pernas.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Diálogos de bar

Episódio de hoje: Argumentando tudo até a última ponta

(Dois caras, uma mulher, fundos do Vale da Lua)

__Meu irmão, tu é a última pessoa do mundo de quem eu esperava ouvir uma coisa dessas.
__Eu sei.
__Ele está de sacanagem, ó a cara dele.
__Não, é sério.
__Cara, eu fumo socialmente, a menina menos que isso. Você fuma todo dia. Teu nome virou até gíria, quem sempre salva a galera. Como é que você pode ser contra liberar?
__Pra começar por conta disso mesmo, o preço da marafa vai subir e eu sou quem vai gastar mais dinheiro. Não quero atrasar meu condomínio.
__Egoísta do caralho.
__Vocês estão reclamando de que? Essa cidade é a porra de uma Amsterdam. De noite tu fuma um de boa na frente do Congresso. Vocês querem mais o que, acender um beque na porta da Universal?
__É a solução típica do brasileiro, se a lei é ruim, você ignora, não tenta mudar. O imposto está alto, foda-se, a gente sonega.
__Obrigado, princesa, fico feliz em saber que eu estou amparado numa tradição nacional.
__Tu não ia achar legal, poder plantar tuas mudinhas na tranqüilidade?
__Isso eu faço agora. Se liberar ia ter que seguir padrão internacional, controle de qualidade, vigilância sanitária, a porra toda.
__Ele ia virar pequeno empresário...
__Além do mais vocês não viram no Fantástico?
__Desde quando você assiste essa merda?
__Assisti semana passada no Zé. E sabe do que mais, amiguinhos. Eles estavam a favor da parada. Será que só eu que enxergo isso. É uma conspiração, cara...
__Eu falei que ele estava tirando onda com a nossa cara.
__Presta atenção, estão querendo transformar maconha no Marlboro. Se o Fernando Henrique e o Luciano Huck são a favor de alguma coisa, eu tenho todo direito de desconfiar dela.

domingo, 29 de maio de 2011

Da viagem

Bem vindo à Bahia
Mal saí do aeroporto de Salvador, já queria me passar por local e chegar de ônibus até a rodoviária. Decidi seguir um senhorzinho de camisa social, chapéu de vaqueiro e uma expressão que poderia ter lhe rendido uma ponta em Deus e o diabo na terra do sol. “Vim deixar meu menino no aeroporto, estou voltando pra casa.” O “menino” era aposentado e morava em São Paulo.

“Escusa, aqui é o ponto pra rodoviária?” Eu não era o único que tinha resolvido apostar no senso de direção do senhorzinho. Um coroa italiano, de shorts, havaianas e impressionante aspecto de morsa seguia o velho de longe. Deixo ao leitor a função de imaginar o sotaque macarrônico do distinto.

“Você é daqui da Bahia?” “Não, sou do Rio. Você?” “Firenze, mas moro aqui há vinte anos. É uma boa merda isso aqui.” Bem, não é exatamente a recepção dos sonhos da secretaria de turismo de Salvador. Mas era o que eu tinha pra encarar uma hora e meia de espera no ponto de ônibus.

“É suja, desorganizada, não tem merda nenhuma. Só puta.” E o conterrâneo dos Médici e de Botticelli continuava sua ladainha. “O que você resolve no Rio em 5 minutos, aqui na Bahia leva uma semana.” Fiquei encafifado com o que era possível resolver no Rio em 5 minutos. Mas não estava num dia de filosofias. Mandei, então, uma objetiva.

“Como é que você veio parar aqui?” O italiano puxou o ar com dificuldade pra dar um suspiro e respondeu. “Bem, foi por causa daquele negócio que a mulher tem no meio das pernas. Apaixonei, casei e vim”, contou o atualmente desquitado. “Mas eu vou mudar, mais uns dois anos e ciao. Escuta, no Rio ainda tem aquela boate em Copacabana, a Hippodromo?” Não sabia responder, aliás já não tinha mais o mínimo interesse em continuar conversando com o sujeito.

Ele resolveu se queixar para o senhorzinho de chapéu. Tentava convencer o velho (que tinha mais de oitenta e ainda fazia seu roçadinho) da indiscutível preguiça do baiano. “Você não acha o povo de Salvador descansado? Eu encontro o cara dormindo, peço pra fazer um frete, ele diz que são 800 reais. O sujeito quer ganhar tudo em um, dois dias pra descansar o mês inteiro”.

O italiano de aspecto de morsa não fazia ideia, mas ele acabava de resumir muito bem quais são minhas aspirações profissionais.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Hermenegildo, crítico musical

Arrigo é o único canário de Copacabana que sabe assobiar “My funny Valentine” na versão definitiva do Chet Baker (totalmente diferente daquele embuste de 15 minutos do Miles Davis). Mas não é sobre isso que eu vou falar. A questão aqui é o embrulho estomacal que me acometeu quando fui trocar a gaiola do Arriguinho. Esclareço que nada há de errado com a digestão do meu canário e sim com a notícia que ele coerentemente pintou de branco e verde.

Aquilo não devia me afetar tanto. Afinal era só mais uma matéria do periódico carioca enaltecendo a mais nova “nova MPB”. Mas agora os moços dos cadernos culturais não se contentam mais em re-significarem o guri do Los Hermanos, como uma versão higienizada do profeta Gentileza. Deram para falar que essa geração de músicos carece de... críticos e intelectuais, dispostos a pensá-la e encher o mundo acadêmico de teses sobre o Marcelo Jeneci.

Ai, minha aposentadoria... Bem que eu queria dedicar meus dias a estudar o impacto dos sons das enchentes do Estácio na obra de Ismael Silva, mas isso já era provocação. Foram me chamar, eu estou aq... Um momento, por obséquio.

__Desliga, porra!

Malditos vizinhos, escutando Caetano de manhã. Atrapalham minha concentração. Como ia dizendo, resolvi cair na armadilha do jornal e escrever enfim uma série de artigos sobre a produção fonográfica do alvorecer desse século. Mas do meu jeito. Pra começar, eu escolho as bandas. Nada de Fernando Catatau, Orquestra Imperial, Móvel Colonial e desse pessoal que pulula nos recitais do CCBB.

Começo por ilustres filhos dos escassos anos 90. Um grupo que, equilibrando referências aos grandes mestres e ousadas experimentações líricas/musicais, ocupou espaço considerável em programas populares e participou intensamente da folia de vendas que antecedeu o alardeado velório da indústria de discos.

Creio, que a simpática banda liderada por Anderson Leonardo: “Molejo” ou “Molejão”, como seu público prefere, dispensa maiores apresentações. Pessoalmente, eu preferia dedicar esse espaço apenas às novas composições de “Voltei!”, lançado pelo grupo em 2010, mas como a memória da crítica musical brasileira, se não é curta, está muito longe de ser considerada seletiva, cabe aqui umas considerações.

Numa época em que Noel Rosa e a tal cultura do remix ainda não tinham sido adotados (a exaustão) pelos círculos dos “alternês” e “modernex” (ai, as autodenominações...), o Molejão juntava os dois em seu primeiro sucesso radiofônico. “Caçamba”, reúne todas as rimas pra samba inventadas em “O X do problema” em uma única música.

No original de Noel está lá: “o samba é a corda eu sou a caçamba/ e não acredito que haja muamba que possa fazer eu gostar de você”. A releitura do Molejão, de 92, traduz com precisão o pragmatismo e secura daqueles tempos de Collor e grunge. “Traz a caçamba, traz a caçamba que o samba taí/ traz a muamba, traz a muamba e joga tudo aí.” Talvez o amigo leitor não compreenda a utilidade de uma caçamba numa roda de pagode. Antes de questionar pense num lugar mais adequado para se alojar a cerveja e o gelo.

A música que consagrou o Molejo junto ao povo é outra antecipação dos movimentos que dominariam a cena na década seguinte. Com seu refrão hipnótico e videoclipe que remete ao pop de Andy Warhol, “Brincadeira de Criança” propõe um resgate das tradições dos jogos infantis bem antes disso render prestígio e editais no mundinho da cultura.

Se parasse aí, o grupo teria construído uma trajetória interessante dentro da música brasileira, nada mais. Feito o Serguei ou os Mutantes. Mas eis, que após um saudável hiato de dez anos e da superação da saída de Andrezão, eles ressurgem com “Voltei”. O álbum demonstra uma capacidade rara entre os seus contemporâneos: sair do mar pessoal de referências e apresentar um novo discurso, sintetizando sua época.

Vejam os primeiros versos da música que dá título ao disco: “Essa rotina já está estressante/ não agüento mais beber refrigerante/ meu pulmão sabe que eu sou fumante/ vive pedindo um trago a todo instante.” Onde encontrar uma voz tão contundente na contramão do politicamente correto? No “Vanguart”? No “Teatro Mágico”?

A crônica de costumes atinge o seu ápice na canção “Personal Trainer”. Que versos melhor resumiriam os dilemas do marginalizado macho de hoje do que: “ela me enganou/ eu acreditei/ sabia que seu personal não era gay”? Está tudo ali, o desprezo pela nova geração de homens creme-academia-barrinha de cereal, misturado ao medo de ser superado por eles. A confusão das identidades sexuais, a angústia diante das exigências de uma mulher que ele já não satisfaz.

Estrofes adiante “Personal trainer” transmuta-se do realismo ao expressionismo transgressor. “Meu chefe já sabia até folga ele me deu/ Cheguei em casa e disse/ Ai meu Deus/ Fudeu”. Percebem, meus caros, o que o Molejão conseguiu com essa? De modo natural, sem perder a coloquialidade inata de seu discurso, rimaram a palavra mais sagrada do idioma com a mais profana.

A beleza desse verso está em propor sua revolução sem alarde. Nos shows o povo entoa as rimas sem culpa, com gosto. Não precisando convocar uma coletiva de imprensa para tal, o Molejão demonstra que na arte toda palavra é equivalente. Acima da razão a rima, e acima da rima a nota da canção.

domingo, 1 de maio de 2011

Samba quase pronto

Feito batucando na mesa, falta um pandeiro, um violão e um cavaquinho pra ficar completo


A Crente no boteco
(Igor Miguel/ ...)

Ó Senhor
Escute meu apelo
E faça, por favor, aquele tornozelo
Reluzir perto de mim
Brilhando nesse mal falado botequim

Viu o sol, escapou do vestido
Daquela moça, cheia de zelo
Bíblia na mão, prisão nos cabelos
Anunciando meu fim

Que tornozelo safado
Não vê que a dona tem tanto cuidado
Pra proteger seus agrados
Dessas mentes cheias de pecado

Agora já foi, o estrago tá feito
Solicito meu direito à imaginação
Ela pede licença pra fazer uma oração
Eu abro com os olhos o último botão

Me chama de Jó
Faço do teu coração a minha Jericó
O cântico dos cânticos vou te sussurrar
Te cobrir de leite e mel, minha rainha de Sabá
Eu to com um puxadinho lá em Nazaré
A gente sai de Niterói com a barca do Noé
Pede pra Cristo a benção e um bom conselho
Queria ser Moisés e você meu Mar Vermelho

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Everaldo

__Não posso comer massa a noite, Everaldo. Nossa, teve uma vez que tinha sobrado um macarrãozinho na geladeira. Sabe aquela coisa que parece inofensiva, fui lá e comi. Everaldo, no dia seguinte, foi um Deus nos acuda, tome sal de fruta e eparema. Olha, eu só estou comendo essa pizza hoje por que...

__Sabe outra coisa que eu não me dou bem? Feijão. Nenhum deles, com o preto, o mulatinho, aquele mais roxinho, como chama mesmo? Você sabia que existe mais de vinte tipos de feijão, Everaldo? É, pois é...

__E aquelas comidas nordestinas. Buchada de bode, sarapatel. Como é que faz sarapatel, hein Everaldo? Ah, é isso? Leva sangue, né? Então não posso nem olhar. Mas eu não fui sempre assim não. Minha mãe dizia, que quando a gente era pequena, cortava o fígado bem cortadinho e botava na sopa. Eu e minhas irmãs adorávamos, depois de grande, ficou tudo fresca.

__ Everaldo, uma vez meu pai chegou em casa com uma jaca, mas sabe aquelas jacas enormes e bem verdes...

Balcão de pizzaria, Voluntários da Pátria, Botafogo


Não eram frases de uma senhorinha solitária ou de uma bêbada maluca. A moça tomava Coca Cola Zero e tinha uns quarentinha de professora de ioga. Um tipo que seria encarnado bem pela Fernanda Torres, ou, numa opção mais econômica, pela Maria Clara Gueiros.

É fácil entender a tradição de humoristas daqui, do Max Nunes ao Cláudio Paiva. Tinha uma esquete pronta a poucos metros de casa. Até o jeito que ela falava Everaldo (cada um imagine o seu, não sei fazer reprodução gráfica) era um bordão perfeito. Tá certo, que nesse caso o nome contribui, tente falar Everaldo de um jeito não engraçado.

O nonsense é outra vantagem de ter o Rio de cenário. Dois personagens não precisam de motivação alguma pra começar a conversar (tá dando mole, Woody Allen). Eu só fui falar com Everaldo pra pedir um desconto no refrigerante. Recebi a negativa e comi minha pizza de alicci, a seco e quieto. Já a moça emendava o relato da sua atividade gástrica com qualquer coisa que lhe desse na telha. Não recebia respostas, mas recebia atenção. Fez seu monólogo e foi embora. Sabe-se lá como os psicanalistas sobrevivem na cidade, com tanta gente pra fazer o trabalho deles.

É uma situação nada original de um comportamento expansivo que os gringos atribuem a todos nós, e que nós deixamos por conta de alguns estados (Rio, Bahia, etc). Só parei pra pensar nisso, porque vi algum grau de solidão na necessidade da moça em fazer confissões estomacais para o balconista. Não sei quanto, certamente menos do que ficar de butuca na conversa dos outros, anotando mentalmente as frases. Não é não, Everaldo?

quinta-feira, 31 de março de 2011

Bar do Animal

Bar do Animal, Lençóis-BA

Em uma cidade nova o sujeito mal arranja um lugar pra guardar a mochila e já tem que tomar decisão importante: onde beber a primeira cerveja? Não tive esse problema quando cheguei em Lençóis. Terça-feira, pouco depois da meia noite, só havia um boteco aberto. Ou quase isso, já que com cadeiras e mesas recolhidas e três figuras ao redor do balcão, se revezando pra pegar as cervejas e mexer no aparelho de som, o “Bar do Animal” parecia reservado aos amigos do dono.

Nem bem terminei a primeira garrafa, já enchia meu copo com a dos outros. Um dos caras, guia turístico em tempo integral, tentava me convencer a agendar os passeios pela Chapada. Falava maravilhas dos lugares, vez ou outra, misturava os nomes de alguns deles. Sua obsessão era o Vale do Capão, onde aconteceria um festival de jazz no fim de semana. “Imagine só assistir ao show de Ivan Lins, num lugar místico, aconchegante e natural.” Imaginei foi o Beto Guedes abrindo o show de retorno dos Novos Baianos.

O outro sujeito era um gordinho de meia-idade, que foi segurança e contra-regra de teatro em Salvador. Sim, ele contava histórias escabrosas dos seus tempos no show business. Sexo em banheiro químico, cocaína, empresários picaretas e Ivete Sangalo eram os assuntos favoritos. O terceiro elemento era quem buscava as cervejas no freezer com mais freqüência e tentava convencer todo mundo a comer umas batatinhas em conserva com uma pimenta que ele dizia caseira. Era Edmundo “Animal”, dono do bar.

“Eu tenho o mesmo nome, o mesmo signo, sou goleador e Vasco da Gama”, justificou o apelido com uma voz que se parecia muito com a do dublador do Morgan Freeman. “Mas o senhor tem muito mais tempo de futebol do que o outro Edmundo...” “Sim, esse apelido é novo, tem uns quinze anos só. Antes era Djalma Santos.”

Não quis esclarecer como ele passou de lateral para centroavante. Outra semelhança entre os dois Edmundos era o temperamento. O “Animal” de Lençóis parecia estar sempre fazendo um grande esforço para se conter. Se não gosta de alguém é monossilábico, quando contrariado muda logo de assunto. As vezes cisma com qualquer coisa e se invoca sério. Outro dia, no colorido bar vizinho, um grupo de turistas ria e olhava pra ele. Bastou.

“Vocês querem alguma coisa aqui do bar? Não? Então, porque estão me encarando? Não sou puta. Olha que aqui a banda toca e toca cedo.” Seu Edmundo fechou o bar foi dar umas voltas. “Quando eu fico nervoso, me dá um negócio, branqueia a cabeça. Sei quando estão me olhando com maldade. Fui treinado pra isso.”

Além de habilidades como essa, guarda um casaquinho camuflado como lembrança do seu período militar. Foi do exército e da PM, mas não durou muito tempo por lá. Trabalhou para o Ministério da Saúde, fiscalizando os sítios da região, entre eles o de Raul Seixas. Quando decidiu que os filhos já estavam criados virou dono de bar. Exerce a atividade com satisfação e competência há pelo menos vinte anos.

Devido a uma inflamação de garganta crônica, seu Edmundo não toma cerveja. Só bebe cachaça e conhaque de alcatrão.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Diálogos de bar

Episódio de hoje: Presente de despedida

(Um homem, uma mulher, Meu Bar)

__Você é morena não praticante.
__Você quer dizer o que? Que eu sou amarela?
__Não, sua cor é linda. Eu quis dizer que você teria um potencial de morenice muito grande se fosse na praia mais vezes.
__É, acho que sim...
__Tudo bem, eu admito. É um convite disfarçado pra você me visitar no Rio. Estou tentando inserir uns motivos aleatórios na tua cabeça.
__Não precisa. Eu vou um dia, já te disse. Mas é morena mesmo?
__É, pela sonoridade e pelo sentido. A segunda é talismã. E a sua?
__Panapaná. O coletivo de borboleta.
__Não conhecia. É bonita mesmo.
__Parece um poeminha...
(Silêncio. Ele enche os copos)
__Olha, desculpa por ontem.
__Desculpa, por quê?
__Você sabe.
__É a primeira vez que uma menina pede desculpa por ficar comigo.
__É sério, eu estou me sentindo muito culpada.
__O mundo seria um lugar melhor se as mulheres só sentissem culpa do que elas fazem quando estão sóbrias. Você disse coisas lindas ontem.
__Eu dramatizo um pouco as coisas, quando eu bebo.
__Então empatamos. Eu dramatizo o tempo inteiro. Agora, você podia ter me dito que seu namorado faz boxe tailandês. Eu teria procurado um lugar mais escondido.
__Nossa, ficou muito na cara...
__Mas tem uma coisa que você disse, que eu não acredito de jeito nenhum. Você jura que não se acha bonita?
__Eu disse isso? Ai, como eu fico tagarela...
__Lembrei agora quando você sorriu, seus olhinhos brilharam de leve e o mundo inteiro pareceu fazer sentido um instante.
__Para, por favor.
__E foi no mesmo lugar que a gente se conheceu.
__Uma fila de um banheiro com água faltando.
__Aliás, arrumaram o encanamento, você viu?
__Vi.
__Pois é, menina. Nessa história sou eu que tenho que entrar no avião.
__Mas a gente sempre vai ter o Pôr do Sol.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O primeiro release a gente nunca esquece


Chegou aqui no email do picaretarte um pedido do senhor Paco para realizar a divulgação desse evento. É a FLIP do CONIC, quem puder apareça lá no Quiosque cultural no último fim de semana de janeiro. Os eventos do seu Ivan costumam ser bem legais.
Em breve voltamos a nossa programação habitual.