terça-feira, 29 de junho de 2010

Onã na FLIP 2008

Da série inéditas republicadas

“Na FLIP há todas as mulheres que amamos. E elas trazem as amigas.”

por Onã

__Você é de onde?
__Não sei ainda, estou procurando desde que deixei São Paulo.
__Quanto tempo faz que você saiu de lá?
__Uma semana.

Nem filme de imitador tupiniquim do Woody Allen nem romance auto-referente desses meninos que ficam peregrinando pelos lançamentos de livros com seus sapatênis e tacinhas de vinho branco, cantando as estagiárias de jornalismo e as professorinhas de literatura. O diálogo transcrito acima com a exatidão que a poesia necessita, mas dispensa, ocorreu na última edição da FLIP entre este bardo que vos fala e Paloma, com perdão do trocadilho, uma verdadeira pombinha que voa pelo mundo a procura de um milhozinho de pipoca que mais lhe apeteça o paladar.
A linda menina de olhar arredio e voz charmosamente gutural sem perder a feminilidade andava pelas ruas de Parati com um singelo livrinho nas costas, cuja inscrição “literatura nômade” convidava os passantes a integrarem uma espécie de livro coletivo. Tenho em minha vida duas solitárias virtudes, uma na área das letras e a outra especialmente na alcova. Não me furto em unir ambas sempre que a oportunidade surge. Infelizmente, naquela situação específica minha contribuição literária não surtiu o efeito desejado na outra atividade em que fui ungido por céus e hells, num bacanal espiritual.
Acostumado que estou às repentinas mudanças de humores dos cérebros, almas e úteros femininos dei pouca importância ao ocorrido. Chegara em Parati havia poucas horas e me via imerso numa prodigiosa e variada fauna de mancebas. Na FLIP há todas as mulheres que amamos. E elas trazem as amigas. Cedendo as cruéis exigências da objetividade que paga as minhas contas aqui no Cagüeta, tentarei esboçar uma classificação básica para contentar a sanha curiosa dos leitores preguiçosos que cá não conhecem.
Há na FLIP basicamente 4 tipos de mulheres: estudantes da USP, hippies, nativas e desavisadas. Obviamente as meninas da USP podem vir de qualquer lugar, como a UFF, a UFRJ a PUC e até mesmo a Casper Líbero ou a Estácio de Sá. Freqüentam as palestras na tenda dos autores ou na tenda do telão, os botecos com banheiro limpo e tem sempre uma opinião sobre algum escritor que você só descobriu da existência ao vê-las falando dele com tamanha graça e ingenuidade. As hippies dispensam apresentação por não merecerem os clichês que as caracterizam e estão sempre te tentando vender alguma coisa. As nativas estão aqui, porque são daqui mesmo e freqüentam a praça com seus uniformes escolares. Boa opção de escolha caso o amigo não seja desses tolos que limitam sua felicidade por deliberações judiciais. As desavisadas são de modos e formatos sortidos, tendo em comum o fato de não terem a menor idéia do que estão fazendo aqui. A maioria delas tem o desaconselhável defeito de estarem acompanhadas de um tipo qualquer de namorado.
De todas as mesas de autores da FLIP, a única que eu fui convidado era precisamente aquela marcada por uma platéia feminina singularmente esplêndida. Na fileira imediatamente a minha diagonal seleciono duas delas para compartilhar com amigo leitor, mas ressaltando que por mais que me esforce, minha descrição em nada se compara a minha visão. Sentavam-se lado a lado, a primeira de óculos vermelhos combinando com o sutiã ligeiramente oculto pela blusa branca, mas visível a olhos bem treinados para detectar transparências. Fazia-lhe companhia uma outra pequena de argolinha no nariz, brinco hippie e um rosto de que nada falo, pois o maior dos elogios soaria ofensivo diante de beleza tão extremada.
Um incerto pragmatismo e o irresistível poder da proximidade me fizeram abandonar esse saudável exercício contemplativo para dar a devida atenção à bela morena de nariz suave sentada ao meu lado. Alzira, uma paulista que adotara o Rio e que indignava-se com a performance exacerbada de Xico Sá.
Xico (que era um dos palestrantes, caso eu não tenha mencionado esse detalhe) fora meu aluno na sua recorrente pré-adolescência e entenderia perfeitamente o fato de eu ter falado mal dele, divulgando um ou outro segredo malicioso, apenas para agradar a moça. Nem mesmo quando ele num rompante genial aconselhava as mulheres a não dizerem “prefiro língua ao pau, mas sim gosto de prazeres delicados” pude aplaudi-lo efusivamente ao ver que tão bem absorvera as lições do passado.
A conversa com Alzira evoluiu para outras palestras, sempre guiada por sua voz de caramelo e seu sorriso de alecrim, passando por outros assuntos como sua tese sobre quadrinhos, as peculiaridades da troca do Rio pra São Paulo, parando bruscamente contudo quando ela revelou namorar um geólogo. Como entender a paixão dessa inebriante menina por um amante das pedras. Por ele Alzira, trocara a simpatia pelo tricolor paulista de seu pai por uma avassaladora torcida pelo Botafogo carioca. Não seria eu a calar aquele amor.
A desilusão, porém, costuma deixar meus parcos encantos mais visíveis. Apenas parei num vagabundo boteco para nutrir meu corpo e absorver algumas doses de álcool, uma hippie carioca de cabelos amarelos disse me conhecer de algum lugar. Logo dividíamos uma Itaipava gelada e ela recitava os poemas que tentava vender pra pagar a hospedagem num camping próximo. Chamava-se Renata, morava na Lapa, fazia cinema no Nós do Morro, chegara a Parati com 3 reais no bolso e sozinha, mas no tempo que dividiu a comigo cerveja encontrou cerca de 11 conhecidos de FLIPs e noites passadas, entre eles um inquieto austríaco.
Fora dos estereótipos ela tinha os dentes afiadinhos e tortinhos. Benditas sejais as mulheres com tal disposição alternativa da arcada dentária e bendito seja o momento da FLIP em que pude sentir o indescritível efeito de tais adoráveis dentinhos vampirescos, inicialmente nos lábios e posteriormente não publico aqui para os invejosos não dizerem que estou a me vangloriar.
Depois daquela noite reencontrei-a 2 dias depois, com o corpo impregnado de suor nectaroso e das areias da praia de Jabaquara. Ah, a sensualidade das coceirinhas, até mesmo quando elas passam para você. Entretanto, viciado que sou, nos sabores de frutas que ainda vão nascer, preferi abdicar do acalanto certo na noite fria para tentar a sorte com as freqüentadoras do boca-livre que ocorria perto da praça da Matriz, no leilão das cadeiras do cinema de Parati, destinado a financiar sua construção.
Parecia lucro certo, enquanto derramavam uísque 12 anos aos homens para possibilitar lances mais altos, o prosseco e o vinho percorriam gargantas femininas abrindo espaço para fluidos mais viscosos. A melancolia que transparece minhas palavras torna desnecessário que eu expresse o meu arrependimento por embarcar em tal aposta infrutífera. Tenho absoluta certeza que o álcool vem tornando-se menos embriagante nas últimas décadas. Mas paro as especulações nessa frase, não quero nessa altura da minha vida, inserir meu trabalho nos meus outros vícios.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Côncavo e convexo

Não sei como consegui passar dois anos enrolando de jornalista aqui em Brasília sem precisar fazer uma visitinha ao Congresso Nacional. Quando o dia chegou, agradeci por não precisar passear de terno no deserto e fui sem reclamar. Garanto que é mais divertido do que parece.

A primeira coisa que chama atenção é o número de mulheres bonitas circulando por ali, entre jornalistas, assessoras e similares. E olha que nem era dia de Sabrina. Os decotes discretos e o contorno das bundas desenhando-se no tecido das saias proporcionam o espetáculo da sensualidade engaiolada. Pena que os 10% da umidade do ar não deixam espaço para que as gotículas de suor resplandeçam quando elas saem ao sol.

Outra coisa que impressiona são os doidos saracoteando pra lá e pra cá, muitos com acesso ao Salão Verde, onde fomos barrados. (São peixes de algum deputado, nos informou o porteiro, citando Romário). A senhora que distribui bênçãos, defensores de causas de um homem só, lobistas quixotescos com um projeto na mão e uma idéia na cabeça.

Basta uma escutada na conversa entre deputados pra identificar o principal problema da casa. Nenhuma ideologia ou convicção moral supera o velho afeto de colegas de trabalho. “Fulano defende a esterilização dos favelados.” “Ah, rapaz, mas quando ele bebe conta cada história. E a mulher dele faz uma moqueca sensacional” “Como é que você consegue cumprimentar aquele sujeito? Ele tem uma fazenda com trabalho escravo.” “Mas é tão difícil encontrar outro torcedor da Portuguesa.” Hay que deliberar, pero sin perder la ternura jamás.

domingo, 13 de junho de 2010

Consultório Sentimental do Dr. Caligari

Prezado Doutor Odvan Caligari,

Os primeiros sintomas foram difíceis de reparar. Óculos de aros grossos, jazz e neuroses pareciam coisas normais para o Afonso, meu marido, desde a época da faculdade. Todos os amigos deles tinham e homem, o doutor bem sabe, é bicho competitivo. Sei que devia ter ficado preocupada quando ele apareceu em casa dizendo que tinha virado judeu. Mas já tinha passado da hora dele resolver aquele problema de fimose, então aprovei a novidade. Logo depois tivemos a primeira discussão. Fomos jantar no restaurante natural de uma tia minha. Ele mal terminou o quindim de tofu e mandou o comentário desagradável. “A comida aqui uma metáfora da existência humana. Terrível e as porções são muito pequenas.” O senhor imagina minha situação. Passei o resto da noite escondida atrás do quiche de acelga. Depois as coisas foram piorando, ele começou com uma conversa de que o universo era uma ilusão que estava se expandindo ou uma realidade que ia se retrair a qualquer momento. Não lembro direito, sei que o safado queria usar isso como desculpa pra não pagar o aluguel. Posso com isso? Lógico que as coisas se refletiram na cama, passei a ter só orgasmos do tipo errado. Decidi partir pra greve de sexo. Ele disse que não ligava, veio com um papo de que masturbação era transar com a pessoa que ele mais amava. Lorota, o canalha anda de olho comprido na minha sobrinha caçula. O que eu faço doutor?

Mia Ferreira, Perdizes, São Paulo-SP

Prezada senhora Mia Ferreira

Devo confessar que essa sua carta, redigida com tanto esmero, provocou grande surpresa em meu coração de médico. Os sintomas que você relata com tanta graça e delicadeza são deveras semelhantes a uma síndrome que era muito comum nos meus tempos de graduação em Nova York, no final dos anos 70. Nunca imaginei que tal moléstia chegaria por aqui e cheguei a acreditar que ela estaria tão erradicada quanto a varíola. Coisas da vida, não é mesmo. Uma das vantagens dessa minha vocação é experimentar uma emoção diferente a cada dia. Hoje você me proporcionou uma, mal posso esperar para retribuir. Bem cara Mia a solução para o problema de seu cônjuge é bastante simples. Aliás que sonoridade bonita têm “cara Mia” relendo a frase sinto-me feito um Mastroianni enamorado de sua Claudia Cardinale. Poucas mulheres, cara Mia, conseguem despertar sentimentos tão nobres num homem apenas através de sua prosa enternecida e da foto 3X4 enviada em anexo. É um dom, uma dádiva que não deve ser desprezada. Mas voltemos para aquilo que te aflige. Nos meus tempos de residente numa simpática clínica em Manhattan tive oportunidade de tratar e curar diversos casos semelhantes. O problema é que eu não consigo lembrar como. Terei que voltar para a Big Apple e recobrar minha memória. Você não gostaria de me acompanhar para dar mais detalhes do caso? Desnecessário dizer que o cor... seu esposo não poderá ir, sobre risco de agravar sua enfermidade. Além disso, essa viagem pode ser uma oportunidade única para você reavaliar sua vida, suas escolhas. Pense só nós dois passeando de carruagem pelo Central Park, aproveitando a temporada de peças da Broadway, depois esticando a noite ouvindo jazz ou num bistrozinho no Village. Posso reservar nossas passagens Mimi? Terça está bom pra você?

Kissis

Big Van

terça-feira, 1 de junho de 2010

Angu do Baco

Dizem que nessa vida um homem tem que combater seus preconceitos. Há muita gente que discorda, mas quando o preço pra isso é um quilo de alimento não perecível a coisa toda parece valer a pena. Com esses nobres propósitos apanhei um ônibus e um pacote de fubá e fui até a tenda armada no meio da Esplanada, conferir as dionisíacas apresentações do grupo do Zé Celso.

Mesmo tendo chegado duas horas depois do começo da peça, as quatro horas que restavam do espetáculo pareciam quase promissoras. Era impossível tirar os olhos da menina que fazia a Cacilda, as músicas eram agradáveis, ninguém parecia inclinado a fazer algum discurso. Mas foi só. Até minha preocupação inicial de escolher um lugar na arquibancada longe do palco foi em vão. Os escolhidos da platéia para participar das danças eram integrantes do grupo a paisana. Performance assim até eu.

Cacilda__ Estrela Brazyleira a Vagar era um musical comum, com um pouco de maxixe. Contava uma história certinha, com os personagens da época, Dulcina, Getúlio, Nelson, etc. Por mim tudo bem, mas fazer isso em seis horas e sem um texto decente não dá. É o velho vício da vanguarda. Quando alguém que fez alguma coisa muito diferente resolve fazer algo igual a todo mundo, sempre pode dar a desculpa que está se reinventando ou se aproximando do público. E seus erros na cópia ao padrão vão ser encarados como marcas do seu estilo.

Restava ainda uma última esperança: será que rolariam uns peitinhos? Aguardei por mais uma hora e nada. Voltei pra rodoviária com uma vaga frustração. Imaginava que não ia gostar da peça por um motivo e acabei não gostando pelo motivo oposto. Pensei no fubá. Nessas horas uma polentinha frita cairia muito bem.